Sob um manto de receio, insegurança e apreensão, comum a pais e educadores de infância, milhares de crianças até aos 3 anos de idade, regressaram às creches no passado dia 18 de maio, o que coincidiu com o arranque da segunda fase do plano de desconfinamento. Antes disso, já os profissionais das creches tinham sido testados à COVID-19 e estavam conscientes das novas medidas de segurança a serem tomadas daí em diante.
Distanciamento entre crianças nas pausas e espaços de refeição; os berços, camas ou catres serem sempre utilizados pela mesma criança e com espaçamento mínimo de dois metros entre si; o material didático não dever ser partilhado entre as crianças; bem como os brinquedos, são apenas algumas das medidas que integram as recomendações da Direção-Geral da Saúde (DGS) para a reabertura das creches. O Portomosense falou com as quatros instituições do concelho de Porto de Mós que acolhem crianças dessa faixa etária, no sentido de perceber como é que foi a adaptação a esta “nova realidade”.
Em Mira de Aire, no Abrigo Familiar Casa de São José, foi visível o entusiasmo das crianças, o que pressupõe que o regresso à creche já era bastante ansiado. «No primeiro dia tivemos duas crianças que chegaram à sala e correram por todo o lado, a ver os cantinhos todos porque estavam com muitas saudades», descreve a Irmã Elisa, diretora pedagógica. Nessa instituição, como em todas as outras, também as rotinas de funcionamento sofreram alterações. Entre as medidas implementadas estão o distanciamento das camas e nas salas tentam que as crianças não se juntem muito. «Os pais não entram e pedimos que nos digam mais ou menos quando é que trazem os filhos, para nos orientarmos com o pessoal e para as pessoas não estarem à espera porque a creche fica no segundo andar e tem sempre que ir alguém lá abaixo», adianta.
«É incrível como é que depois de dois meses e meio de não haver aproximação, tivemos as crianças a reagir super bem», afirma Marta Silva, a educadora de infância responsável pela creche do Centro Paroquial de Assistência do Juncal (CPAJ) cujo espaço, à semelhança de outros, também sofreu algumas alterações. Hoje, a entrada é feita pela porta principal e os pais, assim que chegam, devem desinfetar as mãos e as dos seus filhos. Nesse local, encontram uma área onde existe uma caixa de sapatos para cada criança e onde têm uma cadeira para que possam fazer a troca do calçado exterior. «Depois passa a criança para o nosso lado, é logo feita a medição da temperatura e calçamos o calçado interior a que só nós temos acesso», explica. À semelhança do CPAJ também as restantes instituições ouvidas pel’O Portomosense, garantem estar a respeitar a recomendação da DGS para a existência de calçado exclusivo para o interior da instituição.
No infantário da Santa Casa da Misericórdia de Porto de Mós, o dia-a-dia é vivido com o receio de «não conseguirem fazer face a este problema». No entanto, Rosário Abreu, a educadora de infância que coordena o infantário, assegura que estão a «cumprir à risca o plano de contingência», o que se reflete no aumento da limpeza e desinfeção, na existência de zonas “limpas” e “sujas” e ainda na obrigatoriedade das colaboradoras terem que trocar de roupa antes de entrarem na creche. «Os pais deixaram de poder circular na nossa instituição e já não podem trazer as crianças em “ovos” e carrinhos», adianta.
A divisão de turmas e o distanciamento nas pausas e horas de refeição, foram outras das recomendações da DGS e que já têm sido implementadas na creche da Associação de Apoio Infantil de Pedreiras, que conta agora com cerca de 50% das crianças. «Temos três salas e cada grupo fica numa. Felizmente temos condições físicas que permitem que as refeições se façam com as devidas distâncias, assim como a hora do descanso. As idas ao parque exterior são feitas rotativamente, de modo que os grupos nunca se cruzem», refere Ana Ventura, diretora técnica da instituição.
O colo: um afeto irrecusável
Das quase 20 medidas de prevenção anunciadas pela DGS no guião orientador para a reabertura das creches, houve uma, em particular, que mais contestação causou: o distanciamento físico de 1,5 a dois metros entre crianças.
Entretanto, a entidade recuou dessa primeira versão do documento e fez saber que o «número de crianças por sala deve ser reduzido, de forma a que seja maximizado o distanciamento entre as mesmas». No entanto, a chuva de críticas continua a fazer-se ouvir entre os profissionais da área. «Podemos dizer que todas as medidas estão a ser cumpridas, exceto uma que para nós é descabida: a distância de dois metros. Só quem não percebe de desenvolvimento infantil é que pode dizer isso», frisa Ana Ventura.
Quem partilha do mesmo ponto de vista é Marta Silva que garante que não vão «separar as crianças quando elas estiverem a brincar» porque «têm que socializar». A responsável descreve o CPAJ como uma «casa de afeto» e, por isso, explica que a informação que passou aos pais é que: «No colo e no abraço, nós estamos lá. Nós temos que os reconfortar». No entanto, afirma que todos os afetos são dados com os devidos distanciamentos, como evitar o contacto com a máscara e desviar a cara quando estão muito próximos.
«Nós não podemos recusar a um bebé, colo. A parte da afetividade é essencial nesta faixa etária. Não podemos abolir de todo», alerta Rosário Abreu, acrescentando que têm «alguma dificuldade em controlar as brincadeiras comuns porque eles próprios sentem necessidade de contactar». Em Mira de Aire, a Irmã Elisa apesar de garantir que estão a fazer «aquilo que é exigido», sublinha que há um elemento que é imprescindível e irrecusável: o colo. «As crianças estiveram tanto tempo em casa que agora precisam do nosso colinho», justifica.
Instituições não descuraram o contacto com as crianças em período de quarentena
Mesmo com a reabertura das creches, foram muitas as famílias que aproveitaram o alargamento do apoio do Governo até ao dia 1 de junho, dirigido aos pais que tenham filhos nas creches. E este pode ser um dos fatores que justifica o número reduzido de crianças que estão atualmente nas instituições do concelho, tal como se verifica a nível nacional.
Ainda assim, durante o período de confinamento, as instituições fizeram questão de acompanhar as crianças à distância. «Demos atividades às crianças para que houvesse uma continuidade de trabalho. Tentámos dar um acompanhamento, para que as famílias não se sentissem desamparadas. Alguns pais sentiram-se perdidos», afirma Rosário Abreu. Também no CPAJ, desde que fechou portas até que reabriu, a preocupação foi a de não desestruturar as rotinas das crianças. «Temos uma plataforma digital e foi para lá que durante este tempo enviámos sugestões de atividades que as crianças faziam semanalmente, assim como vídeos para que estas fossem mantendo o contacto connosco», refere Marta Silva.
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