Sensivelmente a meio da época de colheita, várias têm sido as notícias de âmbito nacional sobre as quebras de produção no setor frutícola. Ainda na passada sexta-feira, as assembleias municipais do Bombarral e Cadaval aprovaram uma moção a pedir ao Ministério da Agricultura o estado de calamidade para a produção de pera rocha, fruta que também é colhida no nosso concelho. É, aliás, a única variedade de pera colhida pelos cerca de 100 agricultores associados a uma cooperativa que já teve mais de 450, segundo o engenheiro agrícola, Amílcar Silva, dos quadros da Lusofruta- Cooperativa Agrícola do Concelho de Porto de Mós. Ele próprio concorda com a medida, que prevê, entre outras coisas, que seja marcada uma reunião entre a ministra, municípios e Associação Nacional de Produtores de Pera Rocha e que seja elaborado um plano de ação para tornar o setor mais resiliente face às alterações climáticas. A moção fala de estragos na ordem dos 50% na generalidade dos pomares de pera rocha, situação que Amílcar Silva garante ser semelhante em Porto de Mós: «Estamos em sintonia com o oeste inteiro, uma quebra de 50% mais ou menos». «50% de um ano normal», frisa, «porque o ano passado já houve uma quebra grande». Nas maçãs, onde a variedade, é maior, a colheita ainda «vai até meados, finais de outubro, às vezes ate se tem estendido para novembro», e, para já, as previsões são mais hospitaleiras: «15 a 20% de quebras de produção efetivas». Ou seja, uma quebra acumulada de 30 a 35% do total da fruta estimada, entre maçãs e peras, relativamente a um «ano normal».
Ao nosso jornal, o presidente do Conselho de Administração da Cooperativa, Agostinho Ferreira, ele próprio agricultor, explica que «na colheita notou-se que houve muita quebra, havia muitos frutos estragados» com escaldões, um dos desafios que o setor primário está a enfrentar. A culpa, à primeira vista, é das altas temperaturas que se fizeram sentir no início de agosto, mas Amílcar Silva traz outro fator à equação: as alterações climáticas. «As temperaturas são muito elevadas, a humidade relativa baixa e a fruta que está mais exposta acaba por queimar, fica com necroses, e isso aconteceu, tanto nas maçãs, como nas peras. Nas peras, além dessa situação, o que aconteceu também é que duas doenças têm-se vindo a agravar, uma, o chamado fogo bacteriano, que queima mesmo a rama e mata as árvores, e outra que é a estenfiliose». A primeira, explica, está relacionada «com a questão do clima estar a aquecer, é uma bactéria que se desenvolve mais rapidamente com temperaturas mais elevadas». A segunda «ainda não esta afinada e os tratamentos não estão a resultar».
Tudo somado, o resultado é: menos fruta. Amílcar Silva diz que a produção «entrou num declínio aqui há meia dúzia de anos, agora está numa fase de estabilizar em pequeno crescendo. Mas estas condições todas não estão a ajudar». E isso tem impacto a vários níveis, um dos quais o decréscimo de produtores ativos. «Neste momento só os mais profissionais é que conseguem produzir», diz Amílcar Silva. Daí a mais valia da cooperativa, que agrega produtores não só de Porto de Mós como de Alcobaça e Batalha. «Há 30 anos o mercado era diferente e havia compradores que iam ao pomar, os clientes estavam mais fracionados, havia muita mercearia, muita loja, muitos mercados, e neste momento ao longo dos anos geraram-se meia dúzia de superfícies que estão a abranger todo esse tipo de comercio que existia, e nós atualmente, para fornecermos, temos de ter alguma dimensão, e para isso precisamos de nos juntar. Neste momento os mercados pedem quantidades que um pequeno produtor por si só não consegue vender», explica. O engenheiro agrícola espera «que os preços subam, mas é uma incógnita», dado que «cada vez há menos pequenas superfícies, as grandes estão a abranger 90 e muito porcento do mercado global, aqui na Europa e no resto do mundo».
Frutos mais pequenos para salvar o ambiente
Há 28 anos com a Lusofruta, o engenheiro olha para trás e recorda grandes mudanças entre as épocas: «Não tem nada a ver, para já nas exigências, antigamente vendia-se tudo, o consumidor, e digo consumidor porque é o feedback que transmitem as superfícies, começou a ficar muito exigente, em termos qualitativos, mas extrínsecos, por exemplo, o ter defeito. Um fruto mais pequeno ninguém quer consumir», nota Amílcar Silva. O que vai de encontro à atual tendência: «produzir frutos mais pequenos e com alguns defeitos». Por trás estão duas razões: «a falta de água», já que «a fruta se não tiver água não cresce tanto, fica mais pequena», e porque «as árvores levam tratamento, e, por exigência europeia, muitos dos produtos que se punham antigamente, neste momento estão proibidos ou seja, para consumir um fruto mais limpo, mais puro de inseticidas e pesticidas, [o consumidor] tem de começar a admitir mais algum defeito». Amílcar Silva acredita que uma possível solução é mesmo a criação de campanhas de consciencialização para esta fruta menos “bonita”. «Consciencializar os consumidores a baixarem “os padrões”, porque as qualidades da maçã estão lá na mesma, e em termos ambientais era uma grande ajuda que estavam a dar à pegada de carbono e a tentarmos emendar a questão das alterações climáticas, seria um contributo que o consumidor estaria a dar a si próprio, ao fim ao cabo».
Convidado a augurar o futuro do setor, Amílcar Silva refere que «não pode antecipar nada de bom. O setor primário depende da natureza, da chuva, do calor, do frio, agora com as oscilações [de temperatura] começa a ser um bocado complicado. «Acho que temos de fazer todos é para ver se o clima começa a voltar ao normal», conclui.
Foto | Bruno Fidalgo Sousa