«Portugal foi o país da Europa que mais dias seguidos teve de censura. Foram 48 anos sem um único dia de interrupção, o que significa que houve, pelo menos, duas gerações que nunca leram um jornal, nunca viram um filme ou ouviram uma música que não tivesse sido censurada, e isso é um bom exemplo para se perceber a dimensão temporal da censura», sublinhou José Pacheco Pereira no decorrer do ciclo de conferências Ditadura e Democracia: que História? Que Presente? Que Futuro?.
À exceção dos países da União Soviética, Portugal foi aquele, na Europa, que teve mais dias de censura: «Mais que na Espanha de Franco, muito mais que na Alemanha de Hitler, muito mais ainda que na Itália de Mussolini».
«A melhor maneira de perceber o que era Portugal é ver os cortes da censura, principalmente na imprensa local. Aí percebemos que o que existiu durante esses 48 anos é em grande parte desconhecido dos portugueses. Estamos a falar de dezenas de milhar de cortes», disse Pacheco Pereira.
Tal como já tinham feito os oradores que o antecederam, José Pacheco defendeu que «a censura foi a instituição mais eficaz do Estado Novo». «É evidente que a PIDE batia, torturava e que as pessoas eram despedidas da Função Pública, mas a censura mexia com as cabeças e, desse ponto de vista, ainda hoje na vida política democrática encontramos restos de censura, como por exemplo a demonização do político, a crítica à diferença ou a obsessão pelo consenso», afirmou.
Nesse longo período «não havia notícias de suicídios mas nunca houve tantas quedas em poços nem tantos acidentes com armas de fogo… A censura cortava as notícias de acidentes graves e por causa disso ainda hoje não se sabe quantas pessoas morreram nas cheias de 1967 porque as notícias ocultaram a dimensão da tragédia».
«Tudo aquilo que gerasse uma reação emotiva era entendido como podendo permitir a culpabilização do poder político e daí que a censura protegesse padres e árbitros de futebol. A ideia [no caso dos árbitros] é que quem critica a autoridade num jogo está disponível para criticar a autoridade do senhor presidente do Conselho», esclareceu.
A alternativa à censura era a imprensa clandestina e nessa área o PCP esteve sempre em destaque. Até ao 25 de Abril houve dezenas de publicações clandestinas, quer no movimento estudantil, quer nos grupos esquerdistas, sendo que a politização da imprensa clandestina era grande. A maioria das publicações tinha como público os estudantes e os intelectuais, portanto, a linguagem além de mais radicalizada não era acessível a todos mas essa pequena minoria a quem se destinavam tinha importância na oposição ao regime, defendeu Pacheco Pereira.
E hoje? Será que há por aí novas formas de censura? Sem dúvida, responde o também comentador político. «Assiste-se a um excesso da censura à direita e à esquerda. Nos Estados Unidos, por exemplo, começa a haver livros banidos e em Portugal a pressão faz-se nos órgãos de comunicação condenando determinadas posições e termos», responde lembrando que «a liberdade de expressão não é para proteger o discurso de que eu gosto mas aquele de que eu não gosto mas que os outros têm direito a ter. Se se tratar de insulto, calúnia ou crime, o tribunal que resolva», conclui, frisando que «as novas formas de expressão são perigosas porque criam auto-censura e diminuem ao mesmo tempo a liberdade de expressão».
ISIDRO BENTO | texto