Reparador: “Isto é serviço que tem tecnologia a menos para um robô”

29 Abril 2024

Bruno Fidalgo Sousa

Foi «sozinho» que Sérgio Manuel Silva começou a reparar eletrodomésticos. Máquinas de costura e de café, rebarbadoras, martelos pneumáticos, aparadores de relva e até alisadores de cabelo lhe entregam nas mãos para o septuagenário reparar. Afinal, na porta da sua loja diz O Reparador: Sérgio Manuel. Mas para o escalabitano, a morar em Porto de Mós há 55 anos, este é apenas «um hobby».

A loja, à primeira vista, parece desarrumada. Mas Sérgio Manuel tem tudo no sítio certo. «É pequenita, mas para mim serve, porque vou despachando as coisas». Em cima do balcão tem duas máquinas de costura, ambas desmontadas. Um candeeiro de mesa ilumina as peças. Atrás dele, um painel de ferramentas e uma televisão, para lhe dar algum ruído de fundo e para «quando os serviços correm mal», para se poder sentar a desanuviar a cabeça. Afinal, isto «não é negócio». Já está reformado há algum tempo e estas reparações encara-as como um «um passatempo», um ofício que exerce há cerca de oito anos. «Quando me apetece vou dar uma volta», confessa. «Não é o que se ganha que me faz estar aqui. O que me faz estar aqui é o estar entretido. Ter que fazer, dar movimento à ideia, e não perder aquela coisa que sempre tive, que foi trabalhar».

Sérgio Manuel é um homem de muitos ofícios. Aos 13 anos já era empregado de café. Fez a tropa, foi eletricista de automóveis. Mais tarde, em Porto de Mós, mecânico na Narciso e Alves, depois fez «tudo e mais alguma coisa»: «Andei a vender apartamentos. Andei a vender aspiradores. Andei a vender computadores. Estive num supermercado a acartar aqueles carrinhos de compras. Já não sei o que é que eu não fiz», conta, entre sorrisos. Mas, acredita, nenhum desses trabalhos lhe deu a bagagem necessária para estar agora à frente de uma loja de reparações: «Foi mesmo sozinho. Não tive ninguém que me dissesse assim, “olha, é isto. A agulha vai buscar a linha. Assim vai assado”. Porque isto tem aqui muitas coisas que têm que estar naquele sítio certo», e, sem quaisquer estudos académicos, vai ainda assim tendo algum sucesso. Há peças que correm menos bem, como em todos os trabalhos, e há serviços em que o cliente fica extremamente satisfeito.

 

“É preciso é ferramenta, vontade de trabalhar

e cabecinha”

 

Entretanto, chega à loja uma freguesa. «Está a ficar na linha», diz-lhe. «Vou meter aqui uma lâmpada nova, esta já está a ficar [gasta], e vou fixar esta peça aqui», explica. Fica combinada a entrega para a próxima semana. Sem grande pressa. Afinal, o que «é preciso é ferramenta e depois vontade de trabalhar e cabecinha. O resto vem atrás», acredita. Tal como as reparações, também os clientes são vários e de todas as idades. Alguns são regulares, embora isso até seja mau agoiro, sinal de que o serviço não ficou bem feito à primeira. Mas acabam sempre por agradecer. Sérgio Manuel mostra a’O Portomosense um alisador de cabelo que reparou recentemente: «Não sei quanto tempo vai durar, mas pronto. Faz-se das tripas coração. Não está perfeito como fosse de fábrica», confessa, mas isso também dá valor ao produto, «mais artesanal». «Para pessoas que tenham gosto pelas coisas», diz.

É um trabalho que pode ser, a certo ponto, algo ingrato. Hoje em dia as pessoas já preferem comprar novo do que reparar antigo, e muitas das peças que chegam a Sérgio Manuel já não estão em condições de reparar ou, por exemplo, quando faltam peças para máquinas antigas, o orçamento para a reparação já excede o preço de venda do produto. Mas o septuagenário diz «gostar muito» daquilo que faz. Não será algo para passar às próximas gerações, que já tem dois filhos criados, e há pouca «malta nova» a fazê-lo. Um dos filhos é eletricista de automóveis, tal como o pai, pelo que o jeito para as reparações elétricas pode mesmo estar na família.

Mas também não será algo que vai acabar com a atual modernização do setor. «Isto é serviço que tem tecnologia a menos para um robô», crê. Sérgio Manuel acredita que há espaço também para quem exerce este ofício desta maneira menos contemporânea. Ainda existem reparações, porque a robotização não tem o mesmo olho e engenho do Homem. Ou porque «a marca não é igual», ou porque o reparador já tem «outra maneira de trabalhar». «Os ritos dos carretos já não são os mesmos. Estes ferrinhos já não são iguais. Há sempre diferenças e a gente, a ver as diferenças, uma coisa tira a outra e aprende assim».

Por isso, quando for para «acabar com isto», «é sinal que já está qualquer coisa mal». Está muito contente com a sua loja de reparações no centro portomosense e vai protelando as coisas «até vir um dia em que já não» tem condições.

Foto | Bruno Fidalgo Sousa

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