Restauradora de móveis: “Trabalho com peças que têm muita estima”

14 Agosto 2024

Juliana Santos

Dia após dia diante do computador, Maria Ferraria, que tinha estudado Contabilidade no ensino secundário, viu germinar em si uma ânsia por algo díspar. Foi por isso que aos 37 anos se aventurou e decidiu ingressar o ensino superior, concluindo uma licenciatura em Marketing Turístico com uma média final de 18 valores. Os bons resultados levaram-na a olhar mais alto, direcionando-a para um mestrado na área de Marketing Relacional. No entanto, o trabalho que exercia na altura em hotelaria e o seu papel enquanto mãe fizeram com que a mirense abandonasse o curso após o primeiro ano. 

Mas havia ainda um amor que, até à altura, não tinha sido manifestado para o mundo material: a bricolagem e a decoração. Foi graças a estes interesses que, de mãos dadas ao Marketing, Maria Ferraria abriu, em Fátima, a sua primeira loja de restauração de móveis, inserida no modelo de franchise. No primeiro ano, teve várias formações com a marca, que lhe deram os conhecimentos necessários para se debruçar sobre a pintura e restauro de móveis, conduzindo a sua paixão neste espaço durante cinco anos. «Entretanto veio a covid-19, as lojas tiveram que fechar e eu estava a fazer cinco anos com a marca e o contrato de franchising era precisamente cinco anos. Estava a ser uma fase muito complicada e achei que já não havia necessidade de continuar», revela. 

Depois de fechar a sua primeira loja, Maria Ferraria procurou novamente uma mudança. «Saí de Fátima e vim procurar um espaço aqui em Mira de Aire, a zona onde eu residia, e encontrei esta lojinha. Inicialmente, a minha ideia até era ter um armazém e dedicar-me só aos restauros, mas depois encontrei este lugar e pensei “Porque não? Já que é uma loja, abrir a parte de loja e ter também a parte de ateliê”», explica. Foi assim que nasceu a Maria D’Coração, o nome ambíguo tal como o conceito remete para o seu grande afeto pela decoração e pelos produtos «da terra e da região», daí a referência ao «coração». 

Atualmente, aos 47 anos, a responsável passa já pouco tempo em frente ao computador. O seu dia a dia envolve agora trinchas, tintas de giz e muita criatividade, dado que todo o seu trabalho é puramente manual. «Do zero, eu pego num móvel velho e faço, por exemplo, o restauro ao natural quando se trata de um móvel que já está sem brilho, às vezes tem muitos riscos. E mantenho a originalidade da peça, mas fica como novo», conta. 

«Dentro da pintura, há várias técnicas que se podem fazer: há a pintura simples, há o decapé, que é este efeito em que aparece a tinta que estava por baixo, há o decapé a duas cores… Depois tenho pedidos de transformação, como por exemplo um escadote ou uma roda de bicicleta que se transformam em candeeiro», refere. Outras técnicas, também requisitadas pelos clientes no restauro das peças, incluem a aplicação em decalque, a pintura com stencil e até a moldagem com elementos naturais, que marcaram um dos móveis no seu ateliê com a história e as veias de folhas de árvores. 

Mas não só de móveis de madeira e peças irreverentes vive o «coração» de Maria Ferraria. Também os cadeirões e sofás podem ganhar uma nova vida. «O cliente só tem de escolher, a partir de um catálogo, o seu tecido preferido e desfrutar de uma peça única», adianta.

Para a mirense, a melhor parte desta profissão é poder reaproveitar «um móvel que à partida ia para o lixo e começar a ver a transformação até ao produto final, mas ver, principalmente, a satisfação dos clientes». Muitas das peças com que trabalha têm «muita estima», pertenciam «à avó, aos pais» e há «essa satisfação de experienciar a alegria do cliente quando vê o seu querido móvel». 

A parte mais desafiante? Trabalhar com um orçamento, especialmente quando este é feito apenas através de uma foto. «Quando é só pintura é fácil dar orçamento por foto, porque eu consigo mais ou menos ver as dimensões. Só que às vezes a peça chega até aqui e tem bicho, tem uma perna partida… há sempre imprevistos», assenta. 

E para quem pensa que os jovens só investem nas multinacionais, Maria Ferraria pode comprovar o contrário. «Tenho muitos clientes jovens que vêm com as peças da avó. Há a ideia que a malta jovem agora só quer ir ao IKEA, mas não. Aliás, pessoalmente até acho que existe uma mistura [de gostos pessoais entre o novo e o antigo]», defende. A criativa explica a crescente adesão a este mercado, frisando a qualidade destas peças que muitas pessoas herdaram ou simplesmente têm por casa há algum tempo. «Estes móveis são peças boas, normalmente. Só nos cansa porque são pesadas visualmente, mas são peças de madeira boas e o que nós vamos comprar hoje em dia já não é assim, não dura tanto tempo, sustenta. Ao apontar para um dos móveis restaurados no seu ateliê (aquele que se vê à esquerda na foto), que «veio de uma casa de freiras em Fátima», Maria Ferraria mostra-nos como ler um pouco da sua história. «Eu tenho esta peça que tem mais de 100 anos e isso vê-se, por exemplo, nas madeiras. É uma madeira muito rústica. E é dessa parte que eu gosto, de aproveitar o que já temos», conclui.

Foto | Juliana Santos

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