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“Se tiver que parar a empresa um mês é quase como uma certidão de óbito”

30 Julho 2020
Jéssica Silva

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Jéssica Silva

30 Jul, 2020

Há 10 anos que Manuel Ferreira, de 65 anos, fundou a empresa Agro Ferreira & Valente, hoje sob a gestão dos filhos. A atividade que anteriormente era restrita à produção de leite evoluiu e atualmente a função da empresa passa pela criação de novilhas para produção de leite, com o objetivo de se fazerem queijos. Neste momento conta com um efetivo de mais de 80 vacas.

A empresa faz distribuição e venda de queijos, normalmente cerca de quatro qualidades, cujo «sabor varia consoante o tamanho e o tempo de cura». Antes da pandemia, o principal destino deste lacticínio eram «os mercados, restaurantes, lojas», a que se somavam as vendas feitas no próprio espaço. Com a entrada em vigor do Estado de Emergência, os seus principais clientes foram obrigados a encerrar e Manuel Ferreira teve que «se reinventar» e faz uso de um provérbio popular para explicar como procedeu: “Se Maomé não vai à montanha, vai a montanha a Maomé”. Quer isto dizer que conseguiu escoar o material através da venda a miúdo, ou seja, aquela que é feita porta-a-porta e na empresa. «Eu tinha que fazer alguma coisa à produção de leite. Não é uma coisa que possa ter em stock até que venha um dia bom», frisa.

São cinco os funcionários que compõem hoje a empresa de Manuel Ferreira que conta, em conversa com O Portomosense, que tem apostado na sensibilização do pessoal, assim como na desinfeção para evitar que o pior aconteça.

Visivelmente preocupado, o fundador da empresa explica o porquê da sua angústia: «Numa empresa pequena como esta, se alguém pisa o risco, automaticamente mete os outros de quarentena e fecha tudo. Se tiver que parar a empresa um mês é quase uma certidão de óbito», desabafa. Na perspetiva de Manuel Ferreira, «isto [o negócio] ainda está tudo muito morto». A somar a isso, está o aumento da despesa com a aquisição de produtos de desinfeção e por isso, afirma que já «não trabalha para o lucro, mas sim para a sobrevivência».

Com 200 mil euros parados, fechar não era opção

É no Livramento que encontramos uma empresa com quase duas décadas de história, a A. Reis da Carne, cujo proprietário é António Batista, de 65 anos. Natural de Alcanede, começou a trabalhar muito cedo, aos 15 anos, altura em que migrou para o Algarve para integrar uma delegação da empresa Nobre. Já nessa altura ansiava por trabalhar por conta própria. Depois de muitas peripécias e apesar de algumas dificuldades, encheu-se de força e decidiu criar a sua própria empresa, no ano de 1984. O que começou por ser uma firma que vendia produtos de salsicharia, transformou-se e hoje vende carne, peixe e até legumes congelados, num raio de 50 quilómetros.
Em pleno Estado de Emergência, a empresa que emprega 12 funcionários manteve-se sempre no ativo e a possibilidade de fechar nunca esteve em cima da mesa. «Tínhamos mercadoria armazenada que tinha que ir para a rua. Se fechássemos, com um stock de cerca de 200 mil euros, não sei quem é que se ia responsabilizar por tudo isto», justifica. Durante o período de confinamento, António Batista não teve que recorrer ao lay-off, tendo apenas um empregado ficado em teletrabalho por ainda viver com a mãe que pertencia ao grupo considerado de risco. Também não pediu nenhum apoio ao Estado, até porque considera que isso só vai trazer consequências a muitos empresários. «Para muitas empresas, os empréstimos foram morfina só para não terem dores porque o cancro, esse, não vão conseguir curá-lo», sublinha.

Para a A. Reis da Carne, cerca de «60% dos clientes são supermercados e minimercados e entre 35 a 40% restaurantes». Mesmo com o encerramento dos estabelecimentos de restauração, devido às medidas impostas durante o confinamento, a empresa conseguiu manter «mais ou menos o mesmo nível de vendas». «Os restaurantes fecharam todos, mas os supermercados passaram a gastar muito mais. As pessoas ficaram com medo de ir às grandes superfícies e começaram a fazer as compras no mercado da aldeia, que é onde estamos», explica.

Apesar de uma aparente normalidade, António Batista recorda que a pandemia trouxe «uma grande instabilidade», nomeadamente na entrega de mercadorias por causa do fecho das fronteiras e também por «rutura de stock». Na sua ótica, as coisas «não estão de maneira nenhuma bem» e constata isso quando se desloca a um restaurante. «Eu vejo-os abertos mas não os vejo a ganhar dinheiro e é claro que tenho que estar preocupado. Se eles não têm lucro, vão-me pagar com o quê?», questiona.

Uma lufada de ar fresco para o comércio local

Durante várias semanas, João Domingos e a esposa, proprietários do Minimercado Pedreiras viveram um autêntico rebuliço. Com os condicionamentos nos hipermercados e várias filas de espera, foram muitos os que se refugiaram no comércio tradicional. «Os clientes viraram-se para os minimercados, passaram a conhecer e ficaram bastante agradados com o que viram: boa oferta, bons preços e a rapidez com que são aviadas», conta o dono do estabelecimento, de 49 anos.

Com uma concorrência cada vez maior, João Domingos optou por criar um serviço de entrega de encomendas online. As solicitações foram aumentando e o proprietário teve mesmo que reduzir o horário do estabelecimento para conseguir fazer face a todos os pedidos. «Foi bastante desgastante, a minha mulher chegou a emagrecer cinco ou seis quilos», refere. Ainda assim, a ação que estava a fazer e os agradecimentos das pessoas sobrepuseram-se a tudo o resto. «Senti-me útil e que estava a ter um papel importante para a minha freguesia», confessa.

Desse período, o portomosense guarda bastantes memórias, uma delas até bem caricata. «Tive um cliente que me levou o leite todo que tinha aqui, foram mais de 360 litros», afirma, entre risos. Também as notícias que davam conta de açambarcamento de papel higiénico chegaram à freguesia das Pedreiras. «Nunca vendi tanto papel higiénico na minha vida!», frisa. Porém, não foi o único produto que teve solicitações fora daquilo que era habitual. «Houve várias fases. Outra foi a da farinha de trigo. Eram paletes umas atrás das outras. E depois, a da fruta. Cheguei a ser fornecido duas vezes por dia», refere. Contudo João Domingos garante que nunca faltou produto, com exceção do álcool etílico que durante muito tempo teve dificuldade em arranjar.

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