Depois de vários meses em que imperou o silêncio sobre a data para a reabertura dos espaços de diversão noturna em Portugal, eis a ausência de respostas por parte do Governo chegou ao fim na passada quinta-feira. A decisão tomada em Conselho de Ministros deu luz verde aos bares e discotecas para reabrirem a 1 de agosto, com a condição de passarem a funcionar como cafés e pastelarias e estarem abertos até à uma da manhã, com limite de entrada às 24 horas, «desde que os espaços destinados a dança permaneçam inutilizáveis para o efeito», segundo consta no documento do executivo de António Costa. De imediato, a solução encontrada pelo Governo fez estalar a polémica, ao ser rejeitada por grande parte do setor que nos últimos tempos se queixava de estar a ser esquecido. O Portomosense falou com os responsáveis pelas duas dancetarias existentes no concelho que, admitem que, nestes moldes, não pensam reabrir.
«Enquanto não houver autorização para abrir como dancetaria vou continuar encerrado», garante Tó Gaspar, proprietário de três dancetarias, entre as quais a Arca de Noé, situada em Mira de Aire. A notícia de que o setor dos bares e discotecas poderia reabrir mas tendo que se converter foi recebida com indignação. «Assim deixa de ser discoteca ou dancetaria!», constata. Natural da Margem Sul, Tó Gaspar considera que a decisão tomada pelo Governo, «não é viável» e «sai completamente fora do contexto do que é uma casa» como a que gere atualmente. «As pessoas quando vão para estes sítios querem é dançar e conviver. Para estarem sentadas, ficam em casa», atira.
Também Bruno Santo, um dos responsáveis pela dancetaria Dom Pirata, em Porto de Mós, se mostra perplexo com a decisão. «É ridículo as pessoas pensarem que uma dancetaria pode abrir como pastelaria. Não há hipótese nenhuma, vou continuar fechado», garante. O empresário sublinha que não vê «qualquer vantagem nesta decisão» e defende que, já que os estabelecimentos deste setor estão impedidos de exercer as suas funções devido a uma questão de saúde pública, «deveriam permanecer fechados e o Estado apoiar dentro do possível».
Ambos os empresários concordam que «só quem não conhece a realidade das coisas» pode tomar uma decisão como esta e adiantam que além dos espaços «não estarem preparados» para se tornarem em cafés ou pastelarias, esses negócios estão também a «atravessar dificuldades» e que, segundo garantem, se optassem por abrir nesse formato, iam ser «só mais um». «Quem é que pensa que as pessoas se vão enfiar num espaço todo fechado, no verão, só para ir beber um café?», questiona Bruno Santo.
Uma classe “esquecida”
«Viver um dia de cada vez», é desta forma que Tó Gaspar, de 50 anos, tem enfrentado o quotidiano nos últimos meses. A 10 de março desligou as luzes da pista da dancetaria Arca de Noé pela última vez, apenas dois meses depois de ter sido inaugurada. «Foi uma vida muito curta. Acredito no negócio e que tem potencial mas ainda não tivemos tempo para fazer a casa», afirma. A pandemia havia de o obrigar a fechar também as portas de duas outras dancetarias de que é proprietário: uma localizada na Golegã e a outra em Corroios. Sobre o segredo para ter conseguido manter a estabilidade ultimamente, Tó Gaspar admite que «o que lhe vale» é ter outro negócio para além de estabelecimentos de diversão noturna. «Graças a Deus que tenho uma casa de pneus e é o que tem suportado um bocado isto. Temos andado a inventar», desabafa, adiantando que não sabe até quando vai ter capacidade «para aguentar as coisas».
Com a chegada da pandemia e depois com o levantamento das medidas de restrição, as empresas do setor de diversão noturna têm ficado, desde março, de fora das várias etapas do plano de desconfinamento, o que causou um sentimento de revolta entre os empresários. «Somos uma classe um bocadinho esquecida. Sentimo-nos desacompanhados», admite Tó Gaspar. Na Arca de Noé trabalhavam entre cinco e sete pessoas que viam na empresa «um segundo trabalho». Mesmo com a possibilidade de vir a ter um apoio, o empresário optou por não aderir. «É sempre um empréstimo e mais uma responsabilidade que estamos a ter. Em vez de estarmos a arranjar uma solução, podíamos ter um problema. É preciso ter consciência para não nos metermos em grandes cavalarias», justifica.
“Há pessoas a vivern só da noite”
Há 15 anos que a Zona Industrial da Amarela, em Porto de Mós, viu nascer a dancetaria Dom Pirata. De portas fechadas ao público desde o passado dia 11 de março, um dos responsáveis pelo espaço, Bruno Santo, de 41 anos, mostra-se indignado com a falta de apoios estatais. «Depois de 15 anos a pagar impostos como dancetaria, estaria à espera que tivesse um apoio do Estado», afirma.
Há quase cinco meses que, aquele que é um «negócio familiar», está parado e à semelhança de todos os espaços de diversão noturna tem estado sem faturar. «As despesas inerentes a todo o negócio como ordenados, IMI, água, luz e manutenção do espaço é o que tem sido mais difícil de suportar durante este período», reconhece. Bruno Santo recorda que «há pessoas a viver só da noite» e que, muitas delas, «nem sequer tiveram direito ao lay-off». «Como é que essas pessoas estão a viver agora?», questiona.
É com «alguma reticência» que o empresário observa o futuro porque, segundo justifica, existe bastante indefinição sobre o evoluir do surto e como se «conciliará a dança, com a música e a diversão de forma a ser 100% seguro». No entanto, e excluindo a hipótese de abrir como café ou pastelaria, garante que já está a estudar outras alternativas. Mas, para já, as «muitas pessoas» que viam na ida à dancetaria «um escape e um aliviar do stress do dia a dia» vão ainda ter que esperar. Porém, a vontade de regressar à pista de dança é tanta que diariamente Bruno Santo é questionado sobre a data de reabertura. «Tenho pessoas que estão fartinhas de estar em casa e que todos os dias me ligam», diz.
NOTA: Após o fecho da edição, Bruno Santo, um dos responsáveis pela Dancetaria Dom Pirata informou O Portomosense de que após «nova avaliação» a empresa decidiu «experimentar reabrir» o espaço de diversão noturna.