Cuidar, um verbo tão simples, cujo significado remete para “tratar de alguém” mas que, na maior parte das vezes, vai muito além disso. E é precisamente essa a principal ação que dois portomosenses cuidadores, com quem o nosso jornal falou, mais têm colocado em prática ao longo da sua vida nos últimos anos. Encarnar a personagem de ser cuidador nem sempre é fácil, exige resiliência, força, persistência e paciência. É comum falar-se em cuidadores no feminino, contudo, desta vez, O Portomosense procurou dar voz a dois homens, José Gomes e Custódio Mendes, que nos recordam que cuidar não é coisa de homens ou de mulheres mas de quem ama, qualquer que seja o género. E que o segredo para ainda hoje continuarem a sua missão enquanto cuidadores, está no amor que sentem pela pessoa cuidada.
Lidar com o Alzheimer: uma aprendizagem diária
«Para ela, eu sou muito mais que um filho: sou um tratador, um cuidador e um protetor», é desta forma que José Gomes, de 66 anos, considera que a sua mãe o vê, atualmente, depois de ter cuidado dela durante três anos até ir para um lar. Natural da Calvaria de Cima mas a residir há 41 anos em Porto de Mós, explica que a decisão de acolher em casa a sua mãe, na altura com 80 anos, foi desencadeada pela descoberta da doença de que esta padecia: Alzheimer.
José Gomes recorda a altura em que se apercebeu de que algo não estava bem. «A minha mãe foi perdendo a memória e repetia sempre as mesmas coisas, algo que aborrecia o meu pai», conta. Aliada a esse aborrecimento, estava uma incompreensão que era justificada, diz o portomosense, pelo facto de o pai, hoje falecido, «nunca se ter apercebido» da doença. No entanto, era a ele que competia cuidar da mãe, em conjunto com a Casa do Povo da Calvaria de Cima, até ao dia que em esta sofreu um AVC e foi para um lar. Nesse momento, os três irmãos foram unânimes na decisão de levar Nazaré Gomes para casa do filho. «Todos os dias, desde manhã até à noite, tratava da minha mãe», afirma.
O desconhecimento da doença e a aprendizagem de cuidar de alguém que sofria de Alzheimer tornaram os primeiros tempos penosos. José Gomes recorda que houve alturas em que a mãe se recusava a comer ou a tomar os comprimidos. «Às vezes, ficava revoltado mas aquilo depois passava», refere. No entanto, José Gomes não baixou os braços e procurou contornar essa questão marcando presença em várias sessões de esclarecimento. «Quem cuida de pessoas com Alzheimer tem que saber dar a volta. Tive que aprender a conviver com isso e hoje sei dar valor à doença», afirma.
O cuidador sublinha a necessidade de encarar as coisas sempre de uma «maneira afável e a rir», ainda para mais quando se trata de alguém com Alzheimer: «As pessoas que têm essa doença não gostam nem de palavrões, nem que falem alto, nem que estejamos tristes», justifica. Apesar de afirmar que houve momentos conturbados, José Gomes garante: «O segredo para se ser cuidador é o amor pela pessoa e andarmos bem-dispostos».
Hoje com 90 anos, Nazaré Gomes, tem no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Porto de Mós a sua residência, onde era até ao passado dia 9, «assiduamente visitada» pelo seu filho. Desde então, que a família está privada de a visitar por causa das medidas restritivas devido ao novo coronavírus. Até aí a nonagenária nunca esqueceu os cuidados recebidos. «Quando chegava à entrada do quarto, a minha mãe ouvia a minha voz e já estava a abrir os braços para me receber», afirma José Gomes.
Ser doente e, ainda assim, ser cuidador
Também Custódio Mendes, de 54 anos, tem a seus braços, há mais de uma década, a responsabilidade de cuidar do seu pai, Manuel Mendes, de 87 anos, depois de este ter tido uma isquemia que obrigou à amputação de um membro inferior e posteriormente, o outro. «As veias estavam entupidas de tal maneira que não deixavam passar o sangue», refere. Há 15 anos para cá que ajuda o pai naquilo que é necessário, contando também com o apoio da Associação de Amparo Familiar de Mira de Aire.
Durante 30 anos, Custódio Mendes viu na corporação dos Bombeiros Voluntários de Mira de Aire a sua grande missão, onde foi cadete, aspirante e chefe do quadro de honra. Mas há cerca de cinco anos que a vida lhe pregou uma partida. «Sofri uma trombose venosa profunda e comecei a andar com dificuldade», recorda. Nessa altura descobriu que padecia do mesmo problema que o pai.
Hoje desloca-se com uma bengala e está reformado por invalidez. O facto de precisar de estar a maior do tempo com a perna levantada, inviabilizou a continuidade do exercício de funções. «Era impensável estar a trabalhar, mesmo estando sentado, porque tinha de estar a deitar-me», afirma. Atualmente, faz tratamento ambulatório e é vigiado mensalmente. No entanto, o fantasma do que aconteceu ao pai está bem presente: «Pode acontecer-me o mesmo, mas tento fazer uma dieta rigorosa», garante.
Durante a semana, é à Associação Amparo que compete a realização da higiene pessoal de Manuel Mendes. Se anteriormente Custódio Mendes e a mãe tratavam da higiene ao fim de semana, desde a descoberta do problema de saúde que, deixou de o conseguir fazer. Por isso, durante esses dois dias, essa tarefa é feita por uma senhora que lá se desloca à casa.
As refeições são asseguradas por Custódio Mendes. Umas vezes são por si confecionadas, outras vezes decide ir buscar a um restaurante. Apesar do problema de mobilidade, Manuel Mendes ainda auxilia naquilo que consegue. «O meu pai está lúcido. Por isso, quando preciso ainda me ajuda a descascar batatas», afirma. Os dias são passados no quarto onde tem televisão, telefone a ar condicionado. Custódio Mendes recorda-se que, anteriormente, todos os dias o centro de dia vinha levantá-lo, no entanto, face ao volume de trabalho, agora só conseguem fazê-lo duas vezes por semana: à segunda e à sexta-feira.
Custódio Mendes não nega que algumas vezes se tenha sentido «mais abatido», muito por culpa da doença que sofre, no entanto, reforça a ideia de que «sempre conseguiu dar a volta por cima». No seu ponto de vista, essa força vai buscá-la ao tempo em que fazia parte dos bombeiros em que viu muitas famílias a fazerem grandes esforços e é nisso que se agarra: «Se esta gente conseguiu fazer isto, se calhar eu também consigo!». O mirense não pensa, para já, colocar o pai num lar, pois afirma que «enquanto puder e ele conseguir desenrascar-se» é assim que hão de continuar. E justifica: «Durante 30 anos dei tudo de mim aos outros, por que é que agora não hei de dar aos meus? Eles sacrificaram-se tanto por mim!», conclui.
Já depois deste artigo ter sido publicado na nossa edição em papel, veio a falecer o senhor Manuel Mendes, o pai de Custódio Mendes, um dos cuidadores com quem falámos para a elaboração deste trabalho.
Em jeito de homenagem póstuma decidimos mesmo assim disponibilizar o artigo na nossa página na internet e nas redes sociais. Ao fazê-lo, procuramos também realçar o papel fundamental que os cuidadores, homens e mulheres, desempenham na vida daqueles de quem cuidam. É assim, o nosso estímulo para que outros, em idênticas condições numa esmoreçam nessa nobre missão.
A Custódio Mendes e restante família, os nossos sentidos pêsames!