Numa passagem pela rua principal de Serro Ventoso, praticamente despida de pessoas, encontramos Silvino Sebastião, de papéis na mão e esferográficas penduradas na lapela, como quem saiu de casa com o objetivo claro de cumprir uma tarefa. Uma missão que foi interrompida, em alguns minutos, pela nossa abordagem mas que, nem por isso, o fez descurar a cortesia e o sorriso tímido com que, de imediato, nos cumprimenta.
Era uma manhã quente de primavera, mas preferimos abdicar do sol e decidimos resguardar-nos à sombra de uma casa, onde Silvino Sebastião começa por nos contar um bocadinho da sua história. «Nascido e criado, até uma certa altura, em Serro Ventoso», diz, com orgulho, quando questionamos a sua naturalidade. Aos 27 anos, já casado e pai de dois filhos, foi obrigado a “fazer-se à vida”. Deixou Portugal, onde na altura se viviam tempos «péssimos» e, sozinho, foi «a salto para França», à procura de uma vida melhor. «Graças a Deus que melhorou qualquer coisa, não vou dizer que sou rico, porque a minha reforma não dá para fazer grandes festas, mas dá para a minha vida e é o que interessa», afirma. Foi na capital francesa que viveu durante quase dois anos, a milhares de quilómetros de distância da sua família, até a esposa e os filhos irem ter consigo, um período doloroso que ainda hoje, aos 86 anos, recorda com emoção: «Não foi fácil, acredite, mas quando a gente tem dificuldade é obrigada a tudo e mais alguma coisa». E foi o que fez. Trabalhou nos arredores de Paris como serralheiro de moldes, mas foi em Portugal que teve o primeiro contacto com o ofício, que havia de ser a profissão que exerceria ao longo de toda a sua vida. A adaptação à língua francesa não foi tarefa fácil, o que durante algum tempo condicionou a procura de trabalho. «Cheguei a trabalhar em algumas casas, sempre à procura de avançar alguma coisa. Na última, trabalhei 22 anos, foi onde encontrei a casa que me satisfez», recorda.
Regressou a Serro Ventoso há 25 anos, onde há seis vive completamente sozinho, depois de a esposa ter falecido. «O corpo não está mas o espírito ainda cá está e não se esquece», acredita, ao mesmo tempo que nos conta a história de amor que manteve durante quase seis décadas com a sua Maria de Jesus. «Foram 58 anos de casamento, de vida em família. Nem tudo foram rosas, também nem tudo foram espinhos, mas são coisas que não se esquecem de um dia para o outro», desabafa. Com a partida da mulher, instalou-se sobre si uma solidão, por vezes, difícil de suportar: «O mais triste é estar sozinho», confessa, visivelmente emocionado. O tempo livre, esse, vai sendo ocupado – quando lhe apetece – no quintal, onde cultiva de tudo um pouco: «É assim que passo o meu tempo até que chegue a altura também», afirma, conformado. Silvino Sebastião descreve a vida que hoje se vive em Serro Ventoso, onde a desertificação é um problema crescente, e recorda, com saudade, os tempos em que a freguesia tinha atividade. «Tenho amigos, mas isto agora está de tal maneira despovoado que eu chego a vir de minha casa até aqui abaixo sem ver uma única pessoa na rua. Isto está mesmo péssimo», reconhece. «Antigamente havia tascas por todo o lado, umas cinco ou seis, hoje só temos uma», lamenta.
Apesar de ter levado uma vida de labuta, «sempre a trabalhar», e dos problemas com que se foi deparando ao longo do seu percurso, Silvino Sebastião mostra-se grato pela vida que teve e caracteriza o que viveu até hoje como «maravilhoso». «Não tenho grande queixa a fazer da vida, embora com trabalho fiz a minha vida», conclui.
Foto | Jéssica Silva