«Nós não estamos em tempo de líderes que façam o caminho mais difícil. Hoje em dia, confunde-se liderança com likes […] e está longe de ser verdade que governar bem seja, apenas, dizer coisas simpáticas que geram o agrado geral, muito likes e muitas palmas», afirmou o ex-presidente do CDS-PP e antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, Paulo Portas, no dia 13 de outubro, no âmbito do ciclo de conferências que o Município de Porto de Mós está a promover para assinalar os 50 anos do 25 de Abril.
Este foi apenas um dos muitos alertas deixados numa conferência em que Portas fez um verdadeiro “dois em um”: Deu uma autêntica aula de geopolítica e fez uma reflexão apurada sobre a arte de governar, tendo expressado muito receio sobre o futuro numa época dominada pelas redes sociais e por aquilo que apelidou de “política tribal». E foi por esta última que começou, depois de agradecer o convite inicial do seu «grande amigo» Luís Amado, o presidente da comissão comemorativa local.
«Ao contrário do que acontece na chamada política doméstica, que está transformada numa política tribal em que as pessoas preferem insultarem-se a argumentar, e a simplificar a reconhecer a complexidade das coisas, eu e o Dr. Luís Amado sempre tivemos uma relação magnífica. Provavelmente porque tivemos ambos de gerir setores que não são de política tribal, como a política externa e a política de defesa» destacou.
«Nas políticas de Estado deve evitar-se o mais possível a política tribal que hoje em dia é tão frequente. As pessoas acham mais importante divergir em tudo do que chegar a acordo no essencial, e isso é uma ruína do ponto de vista da Democracia», avisou o antigo ministro, realçando que não se lembra de «alguma vez ter perdido 30 segundos» a pensar se deveria desfazer alguma coisa que o seu antecessor, Luís Amado, tivesse feito.
“Acordos entre moderados são receita para evitar extremistas”
«A Democracia faz-se de diferenças mas também de acordos. Como é que acham que a Europa, que estava em ruínas, se levantou do chão após a Segunda Guerra Mundial e se tornou no continente mais próspero do mundo? Acham que foi com insultos, agressões, violência, radicalismo e extremismo? Não, foi com acordos sistemáticos e permanentes entre a chamada Democracia cristã e os partidos socialistas democráticos», afirmou.
Num mundo de posições extremadas, Paulo Portas considera que «a primeira coisa que é preciso restaurar é a ideia de que há mais pontos em comum entre a esquerda e a direita democráticas, que entre a esquerda e a extrema esquerda ou entre a direita e a extrema direita». «Enquanto não restaurarmos uma capacidade de conciliação entre gente moderada, que não quer aventuras, que não quer atirar os países para um colapso, estamos a conceder aos extremos de um lado e do outro», disse.
Ao longo da sua intervenção, Portas deixou vários exemplos dos benefícios que há para a paz e progresso globais quando políticos moderados de formações políticas diferentes se entendem e unem em prol de um bem comum e maior. O caso, em Portugal, do consenso entre Mário Soares, Sá Carneiro e Freitas do Amaral que permitiu que o país entrasse em 1986 para a CEE, foi um dos exemplos dados.
De acordo com o antigo político, a nível internacional as soluções de governo que envolveram extremistas de direita ou de esquerda, têm-se revelado «um fracasso». «Não governam, passam o tempo a fazer tweets revelando incompetência, amadorismo e frivolidade. Governar implica ter paciência, estudar, ter capacidade de compromisso e não julgar sistematicamente e isso quase desapareceu ou é muito raro nas democracias ocidentais», referiu deixando o aviso de «isto acaba mal» se continuarmos a dar espaço e voz aos «extremos, aos radicalismos e fanatismos» e enquanto dominarem os «bens corporativos, egoístas e identitários» ao invés de «prevalecer o bem comum».
Paulo Portas não tem dúvidas. «Hoje, as redes sociais são o fator determinante da política no Ocidente e tudo aquilo que aconteceu nos Estados Unidos com a invasão do Capitólio, do Senado no Brasil, e no Reino Unido com o Brexit, teve a ver com a influência e a manipulação das redes sociais. Para o comentador político, o Brexit foi, aliás, «uma fraude, o primeiro processo organizado de promover uma mentira coletiva por via digital». «Seis anos depois, o Reino Unido «perdeu capacidade exportadora, investimento, competitividade e milhares de funcionários públicos qualificados do continente europeu que trabalhavam nas áreas da Saúde e da Educação», no entanto, os britânicos, alvos de uma campanha via redes sociais que foi ao ponto de receberem mensagens personalizadas segundo os seus gostos pessoais, convenceram-se de que nada disto iria acontecer, afirmou.
“Isto não acaba bem…!”
«Uma das coisas mais preocupantes na chamada Democracia digital é que as pessoas deixaram de ter interesse em conhecer melhor os factos e as circunstâncias, aquilo que é objetivo, e hoje só querem ver, ler e ouvir coisas que confirmem o seu preconceito», sublinhou, deixando mais um alerta: «Cuidado com a diluição da diferença entre o que é falso e o que é verdadeiro, entre o que é verdade e o que é mentira. Isto não conduz a nada de bom. A Democracia digital e a manipulação política das redes sociais substituem a argumentação pelo insulto, o compromisso pela crispação, a complexidade das coisas pela simplificação, a autenticidade pela falsidade», frisou.
«As pessoas não querem saber de factos, mas depois não se queixem. Se não consideram grave numa Democracia que quem perde as eleições se considere no direito de impedir a posse do outro depois de 40 tribunais terem recusado as suas pretensões, então já não sei o que é uma Democracia» reforçou, realçando que «um tweet não é uma licenciatura, um post não é um mestrado e um influencer não é um sábio, portanto, deve-se continuar a premiar o esforço e o conhecimento».
«Não se pode viver sem internet, mas podia-se viver com um bocadinho menos de manipulação das redes sociais. O algoritmo (que sabe tudo sobre nós) substitui a razão pelos instintos mais básicos das pessoas e nem todos os instintos humanos são bons. Vocês não se dão conta que a sociedade está menos harmónica, que as pessoas se toleram menos? Agora imaginem mais anos neste caminho. Isto não acaba bem», voltou a alertar.
“Fizemos Abril e agora exigimos calar quem pensa diferente de nós?”
E numa conferência inspirada no 25 de Abril, Paulo Portas lamentou que havendo tanta hipótese das pessoas continuarem a lutar pelas causas da Liberdade, «a primeira liberdade que a gente exige é tirar a liberdade ao parceiro do lado». O antigo político evocou «as pessoas que acham que têm o direito de cancelar o pensamento dos outros, o que estes dizem, fazem ou pintam» como exemplo do tal extremismo que nasce da Democracia digital.
«A mim não me ocorre calar uma pessoa com a qual eu não concorde. É uma questão de princípio, foi para isso que se lutou para haver liberdades públicas. Assim como não me ocorre aquelas meninas que deviam ir queixar-se para a China, para a Índia ou para os Estados Unidos, e que agora vão atirar tinta para cima dos ministros, sejam eles quais forem. Então, mas lutou-se pela Democracia para a primeira coisa que fazemos é agredir o outro, impedi-lo de falar? Mas o que é isto? E as pessoas acham normal, acham graça?» afirmou em jeito de interrogação.
«Isto paga-se caro. Estamos presos por fios, não tenham dúvidas nenhumas», concluiu.
Foto| Isidro Bento