Há 75 anos o avô de Pedro Santiago (já falecido) deu início a um projeto que, sem o imaginar na altura, se veio a tornar, muitos anos depois, numa grande empresa produtora de tijolo, uma das oito atualmente existentes no país e a única no concelho de Porto de Mós. A Cerâmica F. Santiago, sediada na Cumeira de Cima (Juncal) pertence hoje ao neto, que recebeu O Portomosense, para nos guiar numa visita a uma das fábricas mais antigas do concelho. Antes, contou a história de mais de sete décadas desta empresa, onde desde pequeno colecionou memórias e experiências.
«Nas décadas de 1930/40, o meu avô era agricultor, tinha muitas fazendas e passou a ter alguns empregados. Quando não chovia, esses empregados tinham sempre o que fazer, mas quando chovia, tinha pouco que lhes dar a fazer», explica. Foi isso que o motivou a aproveitar o barro que encontrava nos seus campos para começar a fazer algum tijolo: «Lembrou-se de fazer um forno, num barracão ao lado da casa, cozia os tijolos com o mato que apanhava mas isto durava apenas dois ou três meses por ano», salienta. A agricultura continuava a ser o grande foco do avô de Pedro Santiago, embora se começasse a notar que o tijolo tinha já alguma saída. «Em 1946 fez a sociedade em nome individual e foi evoluindo a pouco e pouco. Nas décadas de 50 e 60, as coisas começaram a mudar, apesar de continuar a querer a agricultura, havia mesmo muita procura de tijolo e ele já tinha quase as duas coisas a trabalhar em simultâneo», conta o atual proprietário. Foi apenas em 1976 que a gerência da empresa se alargou também aos filhos do fundador. «Os filhos vieram ajudar o meu avô, o meu pai, José Santiago, e o meu tio, Manuel Santiago. Eles começaram a desenvolver a fábrica, em conjunto com o meu avô, a empresa evoluiu muito, teve muitas alterações. Em 2000, teve uma remodelação muito profunda», frisa. Entre 2007 e 2014 a Cerâmica F. Santiago viveu os anos mais complicados: «A sobrevivência da empresa deveu-se muito ao trabalho, ao inventar soluções. Este foi um setor muito devastado pela crise, 80% das empresas deste ramo não conseguiram sobreviver», sublinha Pedro Santiago.
Novas mudanças na estrutura da empresa
Em 1986, quando a avó de Pedro Santiago faleceu, o seu avô decidiu que estava na altura de dividir os seus bens pela família. «O meu pai e o meu tio, que já estavam por dentro disto, ficaram com a empresa, e as fazendas e restantes bens, para os meus outros tios», explica. Foi nesta fase que Pedro Santiago começou a acompanhar o pai nas lides da empresa. «Eu nasci aqui, com o meu pai, ele trazia-me para o ajudar, no tempo de férias vinha para aqui. Ele dizia-me “põe-te aqui ao lado dos homens, se não fazes mais, fazes menos, mas fazes”», recorda, entre risos. Depois de se licenciar em Ciências Administrativas, foi em 1998 que veio a tempo inteiro trabalhar para a F. Santiago. «A empresa era do meu pai e do meu tio, no entanto passaram a dar-me espaço, fui aprendendo com eles e fui provando ao longo dos anos que podia ser uma mais-valia», conta.
Em 2019, tudo voltou a mudar. «O meu tio faleceu de forma inesperada. O meu pai comprou a parte da empresa da minha prima [que herdou do pai]», conta. A partir de dezembro de 2019, Pedro Santiago passou a ser o proprietário da Cerâmica F. Santiago, depois do pai ter dividido os bens entre si e a irmã. «A empresa passou a ser minha mas o meu pai está cá a apoiar-me a tempo inteiro», frisa.
O ano de 2020 e agora o de 2021 «estão a ser os melhores de sempre». «Já houve números de construção maiores. A diferença é que em 2000 éramos 300 fábricas e agora somos oito. Não havendo produto no mercado, vendemos e produzimos tudo», frisa. Pedro Santiago salienta ainda que a empresa está a fazer «investimentos para o futuro, para estar preparada para uma nova crise»: «Este é um mercado cíclico, eu posso ter quatro anos bons e cinco maus, quanto mais bem preparado estiver, melhor os conseguirei ultrapassar».
O tijolo é um produto que devido ao seu peso – «uma carga de tijolo pesa 24 toneladas» – não é exportável para outros países, uma vez que só o transporte «duplica o preço do produto». Os clientes da F. Santiago estão, na sua maioria, a sul de Leiria, nomeadamente «na grande Lisboa, margem sul e algumas zonas do Algarve», uma vez que a norte há uma maior concentração de empresas do ramo.
A aposta futura
Em parceria com todas as empresas do ramo nacionais, a F. Santiago está a desenvolver um novo tijolo – «térmico» – no âmbito do projeto Confortijolo. Apesar de admitir que a empresa não tinha «necessidade de inventar um novo tijolo, porque vende tudo o que produz», acredita que é importante «ter novas soluções». «A palavra “térmico” está na moda. É verdade que este tijolo vai cumprir um pouco mais do que o que temos atualmente, mas é sobretudo para lhe dar esse nome», admite o empresário. Além de tijolo, a F. Santiago comercializa telha, através de uma parceria com a empresa Coelho da Silva, outra das empresas mais antigas e mais prestigiadas do concelho, e ainda materiais de isolamento. «A ideia é que o cliente saia daqui com todos os produtos que precisa e esta parceria com a Coelho da Silva tem sido mesmo muito importante, porque conseguimos comercializar uma telha com qualidade a um preço mais simpático», conclui o jovem empresário.
Da exploração do barro ao tijolo
De 17 em 17 minutos há uma sirene que indica que, ou está a entrar ou a sair mais uma carga de tijolos do forno. Apesar de ser tudo automático, é preciso que o forneiro esteja sempre a controlar a operação, para que não falte, por exemplo, biomassa nos queimadores que mantém os fornos a mais de 900 graus. Mas vamos recuar até onde o processo se inicia. «Tudo começa com a exploração do barro. O barro explorado hoje só pode ser gasto cinco ou seis anos depois, ele tem que proceder a todas as reações químicas, virgem não faz tijolo», explica Pedro Santiago. A exploração do barro é feita a cerca de cinco quilómetros da sede da empresa. «Temos lá um estaleiro, exploramos o barro, deixamos em lote e quando o lote está feito, anos depois, transportamos para aqui», esclarece. Quando chega à fábrica, o barro passa por «estorradores, moinhos de martelos, moinhos de galgas, laminadores e depois vai para as tulhas, para acabar de compor o resto da reação química que não tenha feito». Três semanas depois, o barro volta a ser utilizado. «Através das máquinas automáticas, o barro vem, passa pelo laminador para espalmar e depois vai à fieira onde estão os moldes com várias medidas». Sai moldado, é cortado e segue nos tapetes até às vagonas que vão para a estufa, a 30 graus, onde o tijolo entra húmido e sai seco. Ao saírem da estufa, os tijolos continuam para a «marca de carga que carrega os vagões prontos a ir ao forno». Depois de percorrido todo o forno, estão prontos a plastificar e cintar nas paletes. Depois seguem para o parque da empresa, onde são carregados nos veículos de mercadorias que pertencem também à empresa e que os levam aos clientes.