A Associação de Serviço Socorro Voluntário de São Jorge (ASSV de São Jorge) voltou, pela sétima vez, a organizar a missão humanitária Trilhos de uma África Negra. Ao volante de 11 viaturas, carregadas com várias toneladas de ajuda, 29 voluntários partiram de Pombal, no passado dia 15 de abril, rumo à Guiné-Bissau, onde foram recebidos oficialmente na capital precisamente no Dia da Liberdade. «Tivemos uma receção incrível às portas de Bissau, onde foi ouvido o hino português, o que nos arrepiou a todos», conta Nuno Rebocho, presidente da ASSV São Jorge.
Até chegar ao destino, o grupo de voluntários enfrentou diversas adversidades pelo caminho, o que tornou esta missão numa das mais desafiantes de sempre, sendo que a primeira estava logo aqui ao lado, quando foram impedidos pela polícia espanhola de apanhar o ferry para Marrocos. «Uma situação muito pouco normal», mas que ao fim de 40 minutos ficou resolvida, com a obtenção da autorização necessária para seguirem caminho. Depois de atravessarem Marrocos e o Deserto do Saara Ocidental, foi na Mauritânia onde as «coisas se complicaram um bocadinho», com a ausência total de comunicações, mas o pior aconteceu quando estavam a atravessar o deserto, na Mauritânia, e uma das viaturas capotou, sem causar danos maiores nos voluntários que nela seguiam. Com as quatro rodas viradas para cima, a decisão passou por agarrar umas cintas ao carro e tentar colocá-lo na sua posição inicial. «Não podíamos deixá-lo na Mauritânia, o carro era para entregar ao povo da Guiné, porque fazia falta à instituição que o iria receber», recorda Nuno Rebocho. Desistir não era opção e apenas com a força do próprio grupo a viatura virou: «A malta estava tão concentrada e compenetrada que aquilo quase parecia papel», descreve. Fizeram «de tudo» para pôr o carro a trabalhar e durante toda noite recuperam-no para que, embora com os vidros e o para-brisas partidos, pudesse fazer o resto do percurso. Percorreram mais de 600 quilómetros sem para-brisas até ao Senegal, onde encontraram um novo para substituir. «Quando foi entregue, o carro estava impecável. De todas as viaturas, não se conseguia perceber qual é que tinha tido o acidente, o que foi espetacular», reconhece.
Ao grupo inicial de voluntários, juntaram-se posteriormente mais cinco pessoas que viajaram de avião, num total de 34, os principais rostos da missão. No entanto, Nuno Rebocho esclarece que o número de envolvidos extravasa estes dígitos: «Houve centenas de pessoas que ajudaram na angariação e organização dos bens e que delegaram coisas para levarmos. Todos eles fazem parte também».
“Estamos todos com a cabeça e o coração lá”
De Portugal para a Guiné-Bissau, a caravana humanitária transportou toneladas de donativos, onde se destaca «400 quilos de leite em pó», além de material hospitalar e escolar e uma «quantidade incrível» de sementes e alfaias agrícolas. Porém, as doações não ficaram por aqui: «Levámos sistemas de painéis fotovoltaicos, onde colocámos eletrobombas para conseguir retirar água dos poços e, assim, a população ter acesso. Instalámos ainda sistemas de geração de energia com bateria para que se pudesse pôr a funcionar uma unidade de produção e moagem para a produção de farinha». Também as 11 viaturas que transportaram todos os donativos ficaram na Guiné-Bissau, onde foram entregues a 11 organizações a operar no país. «É das coisas que mais falta lhe fazia», garante Nuno Rebocho, revelando que também distribuíram 20 bicicletas pelo território. De todas as vezes, as receções foram intensas e calorosas, sobretudo nos locais mais recônditos da Guiné, onde a ajuda não era o que de melhor levavam. «Só o facto de estarmos lá e de nos preocuparmos, para eles já era de uma gratidão tremenda. São imagens que jamais vão esquecer».
Com esta missão, os voluntários percorreram mais de seis mil quilómetros. «Não podia ter corrido melhor. Atingimos todos os objetivos a que nos tínhamos proposto. Toda a ajuda que levávamos foi entregue em mãos nos sítios certos e a esse nível foi realmente fantástico», reconhece, ressalvando que «toda a ajuda que se leve é sempre pouca face à necessidade existente no terreno».
Viajaram para a Guiné carregados de donativos e, embora lá tenham deixado tudo, regressaram a Portugal igualmente carregados, desta vez de experiências que tão cedo não lhes sairão da memória. «Já passou algum tempo desde que regressámos, mas estamos todos com a cabeça e o coração lá. Não é fácil desligar daquela realidade, mas a vida continua», reconhece. «Foi uma experiência única. É uma viagem de uma vida que marca para nunca mais esquecer», conclui.
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