Pensando no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC) e mais concretamente na zona do Maciço Calcário Estremenho, é a pedra que nos surge na mente, dificilmente será a água que quase «não se encontra à superfície». A verdade é que esta zona «é uma das principais reservas de água subterrânea de Portugal»: «A água que cai infiltra-se rapidamente mas por baixo deste bloco de calcário existe uma reserva muito importante», contextualizou a bióloga do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) – a trabalhar maioritariamente na zona do PNSAC –, Sofia Quaresma, no âmbito da apresentação de estudos realizados para definir a biodiversidade de espécies de peixes nestas águas. Estes estudos resultaram numa exposição que neste momento está no Centro de Interpretação das Serras de Aire e Candeeiros em Porto de Mós, a antiga Ecoteca.
«As nascentes dos rios do Parque têm um comportamento muito diferente ao longo do ano, quando chove brotam e têm um caudal muito evidente, mas se não chover ou num período de seca extrema, os rios podem ter apenas um fio de água ou podem mesmo secar», explicou a especialista. No entanto, há seis nascentes que nunca secam: três no bordo oeste, o Lena, o Lis e o Alcoa, e três a sul e este, o Almonda, o Alviela e o Alcobertas. Foram precisamente estas seis nascentes que foram analisadas. «As pessoas olham para estas nascentes na perspetiva da abundância de água e nunca como um habitat para fauna e flora», lamenta Sofia Quaresma. Nestes estudos realizados por duas alunas (uma de licenciatura, Catarina Figueiredo, e outra de mestrado, Sofia Pardal) foram inventariados «os peixes presentes nestes rios, quantidade, de onde vieram, a sua importância, o nível de risco», entre outros aspetos. Também as margens dos rios foram analisadas: «Que árvores as ladeiam? São todas da mesma espécie? São velhas ou recentes?», revelou a bióloga, que sublinhou a importância da «galeria ripícola (a formação de vegetação ao longo do rio)» para a vida dos peixes.
Depois de explicados os principais objetivos dos estudos, foi precisamente a coordenadora destes trabalhos, a bióloga e investigadora do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente do Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida, Carla Sousa Santos, a apresentar alguns resultados e indicadores. Começando por reconhecer «que os peixes de água doce» são desconhecidos para muitos, a investigadora evidenciou a riqueza que a Península Ibérica tem a este nível, existindo mesmo espécies endémicas em Portugal. Estas espécies estão em risco, sobretudo nas zonas centro e sul do país, onde as «galerias ripícolas foram substituídas por espécies exóticas como as canas que sugam a água». A este fator de risco juntam-se outros: «Construção de barragens; destruição dos habitats; pesca ilegal; poluição e escassez de água».
As conclusões do estudo
Foi encontrado um total de oito espécies nativas no Maciço Calcário Estremenho, sete peixes primários (à exceção da enguia), ou seja, «que não toleram água salgada e por isso se alguma coisa acontecer a estes rios, estes peixes não podem migrar para o mar, acabando por morrer», daí «a importância de estudar estes habitats». Estas espécies reproduzem-se na primavera «depositando os ovos na vegetação»: «Por vezes a população e mesmo quem decide nas autarquias acha que um rio cheio de vegetação é um rio que precisa de “ser limpo”, isso está totalmente errado, para os peixes serve como zona de abrigo, deposição de ovos e alimentação dos pequenos peixes que nascem que, se não tiverem refúgios, são facilmente arrastados».
Se no primeiro estudo, Catarina Figueiredo inventariou estes animais, no segundo, Sofia Pardal procurou traçar «a genética» entre peixes da mesma espécie em rios diferentes. «Estudou duas espécies presentes na maior parte dos rios e foram encontradas diferenças, ou seja, os peixes responderam ao isolamento a que estes rios estão vedados». «Quando dizem que uma espécie que existe aqui no rio Lena mas também existe noutros rios pode desaparecer, é errado, há problema porque o peixe de uma espécie que existe no Lena é distinto do que existe no Minho, estão isolados há pelo menos dois milhões de anos, se calhar só ainda não são espécies diferentes porque não lhes demos tempo», explica. A bióloga reforçou ainda: «Se perdermos uma população de uma espécie que existe num rio, perdemos uma linhagem evolutiva que é irrepetível».
A concluir, as duas biólogas voltaram a frisar que o estudo dos peixes é importante porque permite entender também a vida do rio. «Se os peixes não estiverem bem, a água não estará boa para consumo e rega. A água de que os peixes dependem é a de que nós dependemos», afirmaram. O ICNF, nomeadamente a investigadora Carla Sousa Santos, faz sessões de esclarecimento a autarcas, professores e técnicos interessados, com parte teórica mas «também com avaliação prática» dos rios. «Quando os autarcas entenderem uma vez como podem proteger, entendem para sempre», salienta Sofia Quaresma, lamentando a pouca adesão a esta sessão, onde apenas esteve representada a Junta de Freguesia de Alcobertas, do concelho de Rio Maior.
Foto | Jéssica Moás de Sá