Coletivamente o que desejo é que vergonha tenha quem é fugaz a julgar e lento, muito lento, a estender a mão
Esta edição assino um artigo sobre os assaltos que se têm verificado em Mira de Aire, sobretudo a lojas que vendem produtos alimentares. São precisamente estes produtos que têm sido o alvo principal de quem comete estes crimes.
Em conversa com o presidente de Junta, Alcides Oliveira, o autarca aponta uma possível razão para este incremento de furtos: as dificuldades financeiras que as pessoas atravessam num contexto económico complicado. Nesta mesma conversa, falámos sobre os apoios (camarários, da Segurança Social) à disposição de quem, por ter ficado no desemprego, por ter deixado de ter possibilidade de pagar o crédito à habitação ou a renda que aumentou, por doença, ou por outro qualquer motivo, está a atravessar uma fase onde o orçamento que tem não chega para todas as despesas, entre elas, pôr comida na mesa. Apoios estes que, claramente, quem está a cometer este tipo de crimes, não está a pedir. Uns por desconhecimento, outros, acredita o presidente, por vergonha.
Vergonha. Para alguns pode parecer que não há motivo para ter vergonha de pedir ajuda. De mostrar que se está numa situação de fragilidade. E eu incluo-me. Não há mesmo que ter vergonha. A classe média esfuma-se. Hoje ou vivemos acima da média ou estamos à rasca. Porque desengane-se quem pensa que hoje existem muitas famílias que não estão à mercê de um salário em atraso para fazer contas à vida. Estamos muitos (a maioria) num limbo. Por isso, sim, volto a dizer: Não há mesmo que ter vergonha.
Mas… pergunto, somos mesmo uma sociedade onde é fácil não ter vergonha? Sinceramente, não me parece. Nós somos a sociedade do “gastou tudo o que tinha, agora vem pedir”, do “com certeza não se orientou bem” ou do “mas filho de quem é, de certeza que terá ajudas”. Somos de julgamento fácil. De comparação, sem saber o contexto de cada um. Somos de tomar o todo pela parte (baseado em histórias que ouvimos de quem pediu ajuda sem realmente precisar). Atenção, não me excluo destas análises rápidas e injustas. Já as fiz, de certeza que as voltarei a fazer. No entanto, tento penitenciar-me sempre que o faço. E tento fazê-lo cada vez menos. Isso basta-me individualmente, mas não me basta coletivamente.
Coletivamente o que desejo é que vergonha tenha quem é fugaz a julgar e lento, muito lento, a estender a mão.