Vigilante privado: “o reconhecimento é zero”

20 Fevereiro 2024

Bruno Fidalgo Sousa

Messias Pina chegou cerca de meia hora mais cedo ao emprego. “Pegava” ao trabalho ao meio-dia e meia, para despegar depois das 22 horas, mas já estava no Pingo Doce de São Jorge 30 minutos antes do horário de expediente, a beber um café na zona da restauração, fardado. Costuma fazer sempre deste jeito, «aliás, se chegar à hora certa», sente a pressão, gosta «de chegar sossegado» ao local onde há nove anos assentou arraiais. A esses nove, juntam-se outros sete anos de experiência na vigilância privada, um ofício tão fulcral (não há espaços comerciais de grande dimensão ou estruturas públicas sem a presença de um destes “guardiões”) que, como é habitual nestas lides do mercado de trabalho, passa longe dos olhos do público. Messias Pina acredita mesmo que «o reconhecimento é zero». «É que nem o nosso patrão e muito menos para quem a gente presta serviço. Se a gente fizer um bom serviço, é o nosso trabalho que estamos a fazer, se fizermos um mau serviço somos os piores, é um bocado ingrato», confessa ao nosso jornal.

Um «trabalho muito importante» que não é devidamente valorizado, portanto. «Quando estivemos aqui na altura da pandemia, começou-se a ver um bocadinho que a gente fazia falta, mas hoje em dia eu estou aqui, as pessoas passam e dizem “não estás a fazer nada”, que é uma ‘cena’ que a gente ouve todos os dias». O próprio leitor já até se pode ter interrogado do mesmo, ao ver o solitário vigilante no seu posto, atrás das câmaras. A verdade é que, como diz Messias Pina: «As pessoas esquecem-se que somos pagos para observar, para ver, o nosso trabalho é mesmo ver e evitar conflitos, durante o dia é furtos e vandalismo, à noite é evitar confusões».

De manhã, após o café e a picagem do ponto, Messias Pina faz a ronda a certificar-se que tudo «está em ordem». À noite, antes do fecho, igual. Pelo meio, tem de lidar com um público exigente, a pior parte do ofício: «Trabalhar com público é difícil, porque é lidar com muitas maneiras de ser». Acaba por ser «exaustivo, a parte física não é, graças a Deus, porque se assim for, é quando as coisas estão a correr mal. O psicológico maltrata muito [mais]», confessa. Ainda assim, entre dar informações e reprimendas, o dia-a-dia no Pingo Doce de São Jorge é relativamente pacífico. «Aqui é mais roubos e tentativas, agora nem por isso, mas quando entrei aqui era muito difícil, não era qualquer vigilante que ficava aqui. Se fosse hoje, se calhar não ficava, com as condições que tinha no início, hoje já tenho outra estaleca». Quando chegou à vigilância, após trabalhar na construção civil, era tudo diferente. Agora, já construiu uma «reputação», espalmada nas gentes que o cumprimentam e nos acenares que recebe, e por isso diz mesmo que hoje em dia já não tem «nada a ver com aquele vigilante que entrou aqui». É que, pesem as dificuldades do ofício, «isto é tipo um vício, depois de entrar é difícil sair».

Aliás, quando entrou «estava cheio de adrenalina, e essa coisa de confusões dava uma certa pica» – ou seja, o típico movimento da noite. «Infelizmente já [tive de usar o físico]. Já tive muitos “stresses”, de tudo um pouco, é porradas, expulsar a malta do bar, separar brigas, proibir a entrada». Hoje, com 40 anos, prefere o trabalho diurno, mas os ordenados baixos obrigam-no, como a muitos outros vigilantes, a encontrar uma alternativa. A segurança em bares e discotecas é uma delas, e Messias Pina, por ser da «velha geração» de vigilantes, recorda-se de um tempo em que havia «uma entreajuda muito grande». «Antigamente, se há um bar que está a ter problemas, eu saía do meu e ia para lá ajudar só por saber que está lá um colega meu. Hoje em dia as coisas mudaram muito e é quase um “salve-se quem puder”», relata. Ou seja, «perdeu-se em ajuda e camaradagem». Mas ganha-se em outras coisas – nomeadamente, há menos rivalidade entre empresas. Afinal, estão «todos a trabalhar para o mesmo».

Com baixos salários – o vencimento base ronda os 910 euros – e pouca gente para trabalhar, com falta de pessoal durante as férias e horários mal-geridos, o setor não parecer estar a perder pessoas, mas as que há «não estão com a disponibilidade de fazer a carga horária» exigida. «Hoje em dia ninguém quer fazer 10 horas de trabalho seguidas, até porque o nosso ordenado não compensa, uma coisa é no final do mês veres recompensa, agora eu faço 10 horas por dia, o outro que trabalha numa fábrica não faz fins de semanas e feriados e a diferença é de cento e poucos euros, isso não compensa», crê. Falta «disciplina» na “nova geração”, numa profissão em que «se lida diretamente com o público». «Se eu não for disciplinado, eu não posso exigir do outro lado».

O mesmo sentimento prevalece no que toca ao sentido de responsabilidade – afinal, um vigilante privado tem de ter um registo criminal imaculado, além de se ter de investir mais de meio milhar de euros em formações. «Por exemplo, se houver aqui uma confusão, não sou obrigado a chegar lá e separar, mas o meu senso normal não me deixa não fazer isso, eu vou lá e separo. E durante a noite a gente entra em confusões, primeiro, pelo nosso orgulho em defender a casa, depois, é tu sentires que se estás a ser pago, por alguma razão é. Eu costumo dizer muita vez, se um polícia não tem autoridade, onde é que um vigilante tem autoridade? É qualquer coisa que a gente faz estamos entalados, eu não posso ter queixas, se não corro o risco de ficar sem cartão, se ficar sem cartão corro o risco de ficar sem profissão, é um bocado ingrato», diz.

E no futuro, quando a Inteligência Artificial e a tecnologia vierem substituir todas as profissões? Messias Pina é perentório: «Eu pessoalmente eu acho que nada substitui o ser humano, nada. Nada melhor que pessoas para lidar com pessoas». Mas o futuro das câmaras de gravação já é uma certeza… «Até aí é preciso alguém para ver», contrapõe.

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