Viver com acromegalia: “Vou para a 17.ª cirurgia”

22 Setembro 2023

Jéssica Moás de Sá

Aos 34 anos, Rita Matos, natural da Ribeira de Cima, já tem um historial médico que facilmente poderíamos associar a uma pessoa com muitos mais anos de vida: faz no seu próximo mês a sua 17.ª cirurgia. Tudo se deve a uma doença rara – a acromegalia – que lhe foi diagnosticada aos 23 anos, mas que se manifestou no seu corpo a partir dos três. «As alterações visíveis mais notórias foram as mãos largas, lábios e nariz mais grossos, um queixo proeminente, uma testa alta, dores articulares, suores excessivos, dores de cabeça equiparadas a enxaquecas, ovários poliquísticos, maior penugem nos braços, pernas e rosto e apneia do sono», explica. Tudo isto já parece muito, mas esta doença tem, ao longo dos anos, vindo a manifestar-se de formas diferentes e obrigado e novas intervenções e diagnósticos médicos constantes. É uma doença que a própria classe médica «ainda está a estudar». No entanto, de forma mais simplista, a acromegalia resulta de uma produção excessiva da hormona de crescimento (GH) no adulto e é na maior parte dos casos causada por um tumor (um adenoma da hipófise), que leva a que os ossos, tecidos e articulações sejam maiores do que o normal.

No entanto, se esta já é uma doença rara por si só, a forma como se manifestou em Rita Matos é ainda mais: «Esta doença só costuma ser identificada por volta dos 50 ou 60 anos». Mas o destino também ajudou a que, neste caso, o diagnóstico fosse bem mais precoce. «Eu sou rececionista de hotel e foi um médico italiano que ficou hospedado nesse hotel que deixou uma carta escrita [porque não estava no momento do check-out] a dizer que tinha esta doença porque a especialidade dele era mesmo a acromegalia», conta. O médico deixou-lhe indicações sobre a que especialidade se devia dirigir e quais os exames a fazer, explicando logo que na origem desta doença está, muitas vezes, um tumor benigno. Até este momento, apesar dos seus pais «não terem feito outra coisa a não ser correr médicos», nunca tinha havido um diagnóstico que justificasse tantas dores. «Eu tinha problemas em várias áreas, respiratórios, articulares, ortopédicos e cada especialista via a sua área e não juntavam o bolo todo», recorda.

Apesar de ter retirado este tumor, o que regrediu algumas alterações que já tinha sofrido (a testa maior, os lábios mais grossos, etc.), Rita Matos continua a lidar diariamente com novos contornos da doença devido a várias sequelas. «Viver com esta doença tem sido incapacitante, sobretudo de há dois anos para cá», desabafa. A nível profissional, admite, são muitos os períodos em que tem que estar ausente porque a carga de trabalho tem impacto. «Por exemplo, em 2014 fiz uma rutura no menisco, fui operada, e em 2017 tive que o retirar por completo, porque o joelho e a perna começaram a inchar, deixei de andar. Tive de procurar soluções e falaram-me de um médico no Porto que estava a incorporar um transplante meniscal novo e eu fui uma das pioneiras», explica Rita Matos. A cirurgia «correu muito bem», mas quando voltou ao trabalho, «devido a todo o desgaste ósseo da acromegalia», fez uma rutura no menisco transplantado.

Ainda assim, quem conversa com Rita Matos e lhe vê um sorriso no rosto a contar tudo isto pode ficar surpreendido com a forma positiva como encara a doença. «Tive que aceitar, tive um grupo de amigos na adolescência que nunca me diferenciariam, embora eu soubesse que não era igual às outras raparigas, tinha um tamanho diferente, uma penugem diferente, até a nível da menstruação tinha ciclos exuberantes», recorda. Tudo isto nunca «trouxe revolta», garante. Além disso, aceita o facto de nem tudo ter «voltado ao sítio» depois de retirar o tumor. «Fiquei, por exemplo, com sequelas no queixo e em 2014 ainda pensei fazer correção ao maxilar, mas já fiz tantas cirurgias e sei que não vão parar por aqui que hoje aceito-me como sou e gosto da Rita que vejo», afirma. Além da fé e de um suporte familiar (sobretudo do marido, pais e irmãs), Rita Matos tem na filha a sua fonte de força e para quem quer ser um exemplo. «Ela vai fazer 8 anos e eu noto que ela tem medo de um dia ser como eu, porque vê a mãe de muletas, com dores nas costas, mais vezes mal do que bem, mas eu quero que um dia a minha filha olhe para mim e pense “caramba, a minha mãe passou por tudo isto, mas foi sempre uma guerreira, nunca baixou os braços e eu quero ser como ela no aspeto de ser guerreira”», espera Rita Matos.

A própria gravidez foi, por si só, um desafio superado. Engravidar até foi mais fácil do que se esperava, «a hipótese de recorrer a tratamentos surgiu», mas não foi necessária. No entanto, a partir das 25 semanas, Rita Matos teve de ficar internada por risco de parto prematuro. O parto, de cesariana, «porque a tensão arterial começou a alterar, sintoma da acromegalia», correu bem, mas depois Rita Matos sofreu de uma síndrome de HELLP (uma forma grave de pré-eclâmpsia) onde se temeu o pior: «Os órgãos internos deixaram de funcionar». Anos mais tarde, ainda com mazelas devido às cicatrizes da cesariana, teve de fazer uma histerectomia (remoção do útero), «um dos processos mais complicados» pelos quais passou. «Devido às cicatrizes, como os tecidos não são do tamanho de uma pessoa normal, provocaram uma inflamação pélvica», explica. Rita Matos desenvolveu uma adenomiose uterina (uma doença do endométrio): «Durante anos tive dores menstruais como se fosse parir, pior até, mas não se via nada nos exames, até somos colocados em causa».

Rita Matos continua a viver de incerteza. Sendo a sua acromegalia incomum, os médicos ainda não perceberam se a doença «está adormecida» e se são apenas «as sequelas» com que ficou que vão provocando novos problemas ou se é «realmente mais atípica e está a revelar-se de outra forma». Seja como for, garante, está pronta para continuar a lutar e nunca parar.

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