O artigo que tinha idealizado para esta edição era bem atual e até tinha uns pozinhos de provocação. Havia sido arquitetado para tirar alguns esqueletos do armário, mas a realidade bateu-me à porta há precisamente duas semanas e percebi que por muito bem que nos saiba, por vezes, agitar as águas, há coisas bem mais importantes na vida.
Sei que à velocidade a que andamos todos os dias o assunto que hoje trago já está velho, mas pareceu-me importante voltar a juntá-lo à ordem do dia. O Diogo (Jota) e o André (Silva) eram irmãos. O primeiro tinha 28 anos, tantos quanto eu, e o segundo 26. Estavam ambos a aproveitar o auge da juventude, a trabalhar na sua grande paixão e a viver um sonho que apenas está ao alcance dos predestinados. Eram futebolistas que, através do seu talento, jogavam com as emoções de quem os acompanhava, quer lá dentro, quer “cá fora”, no lugar dos comuns mortais. As vidas de ambos perderam-se, há duas semanas, e para isso bastou um ápice.
Enquanto adepto, vi várias vezes o Jota jogar e, enquanto fotógrafo, “apanhei-o” perto de uma dezena de vezes, sempre ao serviço da seleção. Ao André, diz-me o arquivo no disco externo que só registei o seu talento uma vez, em Leiria. Não conhecia o último nem o primeiro, e que fique bem claro que este não é um texto escrito para “parecer” que éramos de alguma forma próximos ou que apertávamos a mão quando nos víamos. Não, isso nunca aconteceu e eu nunca passei de mais um de centenas de “rapazes da câmera” a tentar apanhar-lhes uma finta, um remate, um carrinho ou uma celebração, tudo isto durante 90 minutos. Adiante. Ver esta malta a jogar à bola faz-me muitas vezes sentir uma pequenina inveja. Afinal de contas, os craques têm mais ou menos a minha idade quando atingem o pico das suas carreiras e isso faz-me perguntar por que raios não nasci eu com o mínimo de jeito para o esférico. O cheiro da relva regada e acabada de cortar vicia. As bancadas ao rubro fazem-me vibrar. A adrenalina de ver a escassos metros um golaço ou uma defesa do outro mundo arrepia-me. Então, por que não jogo? Porque nasci para fazer outra coisa. O problema é que o meu subconsciente, tal como o de milhões de outras pessoas, permite-me “replicar” este sonho nos outros, naqueles que lá chegam, e é isso que vai provocando uma falsa sensação de proximidade.
Dizia eu que já dei por mim a invejar quem dentro das quatro linhas tem o mundo aos seus pés e parece intocável, mas a realidade, de tempos a tempos, trata de nos acordar, mostrando-nos que, afinal de contas, somos todos feitos de vidro.
Um ápice é tudo quanto basta, seja para quem for.


