Durante dez anos tive o privilégio de ter uma das mais belas profissões do mundo. No plano social ser jornalista é contribuir para um dos pilares da democracia. É poder informar, escrutinar os poderes ou dar voz aos invisíveis. Do ponto de vista pessoal, é uma profissão extraordinária que obriga a uma aprendizagem constante sobre novos temas e a abrir horizontes pela inquietude que existe na arte de fazer perguntas.
Dizer que a informação livre e plural é um bem público e essencial para a democracia é um clichê, mas uma verdade.
Provavelmente ando mais nostálgica por ouvir o podcast da Patrícia Reis, “Uma Bica e Um Jornal”, onde tantos nomes interessantes do jornalismo têm partilhados memórias e inquietações. Um tema recorrente é a preocupação com a precariedade da profissão e com a vertigem do imediato, que retira o tempo essencial para questionar, verificar e contrapor. São muitos os jornalistas que deixam de o ser antes de chegarem à reforma. Muitos porque um quotidiano de precariedade e de falta de progressão profissional faz com que a paixão esmoreça. Outros porque a experiência e a memória têm um preço que muitas administrações não podem ou não estão dispostas a pagar.
Há dias o governo apresentou o Plano de Ação para a Comunicação Social com 30 medidas, várias delas boas e há muito pedidas pelo setor. Montenegro teve o mérito de encarar os Media como um problema da democracia e do Estado. No entanto, a importância da medida acabou por ser abafada pelo comentário infeliz do Primeiro Ministro que é, ao mesmo tempo, verdade e, sobretudo, mentira.
Sim, é verdade que há jornalistas “pés de microfone”, que vão ao exterior fazer perguntas sobre temas que desconhecem e sem tempo para estudar. Mas, os auriculares são ferramentas de trabalho essenciais e o telemóvel é hoje o bloco de notas de antigamente.
Com esta crítica, Montenegro foi superficial e criou ruído, não sei se de forma inocente ou se piscando o olho a eleitores mais voláteis a mensagens populistas.
Este “desabafo” foi ainda mais inusitado vindo de um Primeiro Ministro que tem tido uma imprensa muito favorável e que tem gozado de um nível de escrutínio baixíssimo. Quem normalizou a recusa em pronunciar-se sobre temas ou conferências de imprensa sem direito a perguntas não parece querer uma imprensa tranquila, mas sim a dormir. Como ele bem sabe, a missão da imprensa não é ser tranquila. Os Media derrubam governos, denunciam corrupção, relatam crimes de guerra. Dificilmente se pode ser tranquilo nestes casos.
Sim, é verdade que há mau jornalismo, perguntas imbecis, falta de preparação, promiscuidade entre jornalistas e comentadores que saltam do jornalismo para a política. Mas continua a haver belíssimo jornalismo, fundamental para nos mostrar o mundo além da nossa rua.
O que sei é que a qualidade do jornalismo será sempre proporcional à qualidade dos profissionais que o fazem e para isso é fundamental que a profissão seja dignificada e respeitada e que se assuma que setor não é uma mera atividade económica sujeita apenas à lógica do lucro. Como é que isso se faz? Isso é a pergunta do milhão de dólares.