Alimentar o carrasco

20 Março 2025

Não somos utilizadores das redes sociais. Somos consumidores e, a cada visualização, a cada publicação, contribuímos para aumentar o nível de dados suscetíveis de serem explorados numa perspetiva de consumo. Pois é! Mesmo quando usamos as redes para criticar ou combater este decadente mundo novo inaugurado por Trump, estamos a somar dígitos à fortuna dos plutocratas que tomaram conta da Casa Branca.

Em última análise, e chegando ao extremo de aceitar uma sociedade sem regras, sem ética, totalmente desregulamentada e na qual o padrão venerado seja o da “lei do mais forte”, poder-se-ia afirmar que esse enriquecimento é legítimo, que nada obsta à fórmula de negócio bem sucedida de Musk, Zuckerberg e outros que tais.
O problema é que encarnam uma filosofia de poder que, de forma despudorada, pretende abalar os alicerces das sociedades democráticas, convertê-las (ainda mais) em mercados de consumo acríticos e passivos, em benefício próprio.

O problema é que estas armas estão a ser postas ao serviço da desigualdade, da exclusão, da aniquilação das liberdades mais básicas, do patrocínio dos movimentos de extremas direitas que, de pequenos fogos espalhados pela Europa e pelo mundo, ameaçam transformar-se, a curto prazo, numa frente de incêndio de dimensões épicas e inéditas em toda a história da humanidade.
O problema é que, ao usar estas redes, estamos a muscular o carrasco em dinheiro, controlo de opinião e de padrões de consumo.

Não somos utilizadores. Somos consumidores. E por muito que isto nos faça parecer cordeirinhos a caminhar alegremente para a morte, a verdade é que isso confere, a cada um de nós, o poder maior da subversão desta ordem perversa em acelerado ritmo de instalação. Não há mercado sem consumidores.

Passou despercebida a decisão do Banco de Portugal de abandonar a Rede X. E, no entanto, esta foi um exemplo e um sinal do caminho a seguir. Até compreendo que, neste preenchido ciclo eleitoral seja difícil às forças políticas abandonar o Facebook, o Instagram ou o X. Isto significaria perder poderosas armas de comunicação com os seus públicos. Portanto, a onda transformadora está, por inteiro, nas mãos do consumidor. Existem alternativas europeias. Argumentarão muitos que isso seria um desastre, porque todos os seus contactos estão nestas redes. Falsa questão. Encerrei a minha conta de Instagran e do Messenger, e, espante-se, o mundo continua aí! Baixei, para efeitos de arquivo, os meus dados do Facebook e vou encerrar a conta por estes dias. O Watsapp virá a seguir, com um pré-aviso aos meus contactos sobre onde me encontrar.

Se o consumidor mudar, mais tarde ou mais cedo, as instituições irão atrás dos seus públicos. A verdadeira revolução é silenciosa, permanente, de elevado contágio e, nesta matéria, a revolução do consumidor assume a importância da escolha pela dignidade e pela liberdade individual e coletiva.

Não é uma qualquer febre de patriotismo europeísta que me move. Só não estou para alimentar o carrasco.