A transferência de competências para os órgãos municipais e para as entidades intermunicipais no domínio da Saúde voltou a ser chumbada pela Assembleia Municipal (AM), na sua sessão de 11 de março. Este foi o quarto chumbo em quatro anos, no entanto, desta vez, o sentido de voto dos eleitos do Partido Socialista (PS) quebrou a unanimidade registada até aqui. O presidente da Câmara, Jorge Vala, assim como alguns deputados e presidentes de Junta bem apelaram a que a decisão saída da AM fosse unânime e, acima de tudo, um claro sinal de protesto, nomeadamente pela falta de médicos, no entanto, e à semelhança do que aconteceu em reunião de Câmara, o PS votou contra.
Na apresentação deste ponto, Jorge Vala disse que Porto de Mós continua «com um problema gravíssimo ao nível de resposta em termos de Saúde» e que, apesar de no fim do ano terem sido enviados pedidos de intervenção ao ACES Pinhal Litoral, ARS e Secretaria de Estado da Saúde, até agora não houve resposta, «a não ser a contratação de um médico que trabalha das 9 às 17 horas no Centro de Saúde de Porto de Mós». O autarca lamentou também que, a 15 dias da data em que era suposto receber as competências, ainda não tivesse sido criada a comissão de acompanhamento prevista na lei.
Recusa em sinal de protesto
«O Município está disponível para receber estas competências mas para isso têm de nos ser entregues com um mínimo de condições, o que não acontece atualmente», referiu, deixando claro que a recusa é, essencialmente, uma forma de protesto pelos problemas existentes na área da Saúde, embora mantenha que a proposta fica aquém das expectativas e é suportada por meios financeiros claramente insuficientes face às necessidades. Jorge Vala afirmou que «o Município não pode continuar a conviver com a sua população cada vez mais envelhecida, com mais dificuldades de mobilidade, a ter que ir a médico privado para, inclusive, ter acesso ao receituário, e a continuar a ter que ir ao hospital sempre que há uma pequena necessidade», defendendo, por isso, que o chumbo da proposta seria um sinal dado aos responsáveis da Saúde e do poder central de que algo tem de mudar.
Alcides Oliveira, presidente da Junta de Mira de Aire, defendeu também a importância da AM falar a uma só voz e mostrou-se crítico em relação à posição dos vereadores do PS. Segundo o autarca, «não há melhoria, não há, sequer, qualidade. As pessoas idosas continuam a sofrer, não têm dinheiro para pagar a médicos particulares, nem tão pouco para transportes alternativos aos parcos transportes públicos existentes» e, por isso, «não estão criadas as condições para aceitar a transferência de competências». Face ao cenário já traçado na última AM, «onde todos defendiam a luta pela qualidade da Saúde no concelho», Alcides Oliveira disse não entender «como é que os vereadores do PS votaram contra». «Votaram só porque sim? Então e o contexto vivido nos cuidados de saúde prestados não seria suficiente suporte para votar de forma uniforme na não aceitação?», questionou, deixando, ainda, um desafio: «Se os vereadores do PS têm projetos para melhorar a prestação de cuidados médicos então que os apresentem e os discutam na Câmara».
Filipe Batista, o presidente da Junta do Alqueidão da Serra, concordou e expressou a sua «solidariedade para com o executivo municipal por todos os motivos já elencados e também como forma de luta». «Vale o que vale mas ainda assim dará para manifestar um pouco da nossa contínua insatisfação ao longo dos últimos anos», frisou, explicando que uma vez que esta transferência não prevê a possibilidade de contratação de médicos e enfermeiros mas quase só a passagem de edifícios para as autarquias locais, algo que já acontece na maioria dos casos, então, «fica, pelo menos, a indignação. Para que haja alguém que ouça», disse.
Eleitos do PSD criticam postura do PS
Entretanto, do lado do PSD, fizeram-se ouvir três vozes críticas. Félix dos Reis começou por estranhar a posição do PS, tendo em conta que, na última AM, a líder de bancada, Rita Cerejo, disse que tudo aquilo que se fizesse para resolver o problema da Saúde no concelho teria o apoio do PS. O deputado deixou ainda uma pergunta: «Como é que explico às famílias ucranianas que vêm para Porto de Mós e a quem vamos disponibilizar uma casa condigna e, se calhar, arranjar trabalho, que não podem é adoecer porque não temos médicos nem enfermeiros?».
Luís Almeida deixou também perguntas e um aviso. «Depois da população, dos autarcas e dos políticos, já por diversas vezes, terem reclamado pela falta de médicos, como pode este executivo aceitar a transferência se as exigências não foram ouvidas, nem foi chamado a ter reuniões a fim de se resolverem os problemas? Como é que pode aceitar à revelia dos interesses, ambições e manifestações dos seus munícipes? E o que é que se passou recentemente de tão vantajoso para Porto de Mós na área da Saúde que leve um partido político a mudar de opinião e a deixar sem resposta e sem soluções os habitantes deste concelho?», questionou. «Este documento [de rejeição das competências] tem um valor bastante significativo se aparecer em Lisboa com a aprovação de todos os políticos deste concelho. Ao invés, será uma autêntica derrota para todos aqueles que se manifestaram, se vier a ter uma votação de divisão», avisou o deputado social-democrata.
Gabriel Vala, disse que antes de aceitar competências são precisas «garantias de que a situação dramática em que o concelho se encontra será resolvida» e que o «Estado tem o dever e a obrigação de normalizar este processo, tranquilizar as pessoas e as instituições e depois, sim, descentralizar». Votar contra seria «marcar uma posição, dizer que não estamos satisfeitos, que o Estado não está a cumprir as suas responsabilidades e que não estão asseguradas as condições para esta transferência», frisou.
Feita a votação, a proposta de não aceitação da transferência de competências foi aprovada por maioria com seis votos contra do PS que, a seguir, apresentou uma declaração de voto.
Já em fecho de edição recebemos um comunicado do PSD que repete, no essencial, aquilo que foi dito pelos seus deputados na AM e que reproduzimos neste artigo. Acrescenta-se, nessa nota, que a atitude dos deputados do PS «é ainda mais incompreensível, porquanto na AM, perante a relevância deste e de outros temas, escudaram-se atrás de um silêncio ensurdecedor que, só revelou desprezo pelo órgãos a que pertencem e pelos assuntos em debate, limitando-se a apresentar uma declaração de voto escrita, revelando um total menosprezo pelos temas da Saúde, Educação e Ação Social».
PS considera que seria vantajoso aceitar competências
Em declaração de voto, os eleitos do PS, embora reconheçam que «a falta de médicos no concelho é transversal a todo o concelho», consideram que «o Município tem meios para ajudar a ultrapassar o problema e ao recusar a aceitação da transferência de competências está a perder a oportunidade de ter uma voz ativa neste processo». Para o PS «a não aceitação nesta fase, a nove meses da obrigatoriedade de o fazer, vai criar atritos que em nada vão ajudar a ultrapassar as lacunas existentes». Por outro lado, ao longo dos últimos anos, o Município tem assumido a manutenção, a reparação e o alargamento dos edifícios dos centros de saúde do concelho, já tendo assumido grande parte das competências».
A aceitação a curto prazo viria, no entender dos socialistas, «beneficiar os profissionais de saúde identificando e colmatando as carências exacerbadas com a pandemia a nível operacional e administrativo» e, além disso, dizem, «é ainda importante que o Município aceite o quanto antes, por forma a beneficiar o delineamento de USF a criar no concelho».
Foto | Isidro Bento