Cinquentenários

10 Junho 2025

Com mais eloquência uns, outros com menos, comemorou-se o Cinquentenário do 25 de Abril de 1974. Cinquenta anos depois de 1975, também o “Verão Quente 75” deverá ser relembrado como uma fase da revolução de Abril que, com todas as suas vicissitudes, assumiu um papel preponderante na democracia até aí muito oscilante e com horizontes muito sombrios. Após as eleições livres de 1975, o PS obteve vitória expressiva. O PCP, o então PPD hoje PPD/PSD, o CDS, o MRPP e vários outros, obtiveram resultados dignos de registo, ficando obrigados segundo a Constituição, a dar a Portugal um rumo que congregasse a estabilidade política e o desenvolvimento. Estávamos enganados. Forças de bloqueio pouco transparentes teimavam em seguir caminhos perigosos, não sendo alheios os confrontos e divisões nas mais altas esferas militares. O MFA, que um ano antes preconizava a estabilidade e desenvolvimento, dava sinais evidentes de contradições internas. O PS e o PCP, assumem posições irreconciliáveis. Movimentos sociais emergem, e assim se instala a crise vivida em 1975. O PCP, animado pelos bons resultados no Alentejo, tenta alastrar as suas políticas e sensibilidades para as zonas a Norte do Tejo. Em Rio Maior, surge a célebre moca e o slogan: Daqui não passam! Noutros Concelhos limítrofes, indignações espontâneas e genuínas de populações terminam no assalto a sedes do PCP. Em Porto de Mós, surgiu um movimento que se manifestou contra a sede do 1.º de Maio que, não sendo propriamente uma sede local do PCP, era vista como casa afecta a pessoas com tal ideologia política. Sendo necessário impor a serenidade e a ordem democrática, os militares das Forças Armadas eram chamados a intervir.

A prestar serviço militar no Quartel em Leiria como Alferes Miliciano, fui incumbido de vir a Porto de Mós repor a ordem. Ao chegar a Porto de Mós, deparei-me com um cenário de ânimos exaltados e com alguma violência. Móveis a arder em plena rua indiciavam ter havido invasão do edifício. Sabia que em situações melindrosas, o bom senso e a calma eram fatores importantes para o êxito da operação. Tal aconteceu. Saímos da viatura, colocou-se bala na câmara, funcionando o típico estalido da culatra da G3 como elemento dissuasor. A população começou a dispersar sem que antes um indivíduo, cujo nome prefiro omitir, subiu o escadote de arrumar as bagagens nos autocarros junto do café do Sr. Araújo e lá do alto disse: «Quem estiver com as Forças Armadas passe para aqui. Quem não estiver que passe para o lado de lá da estrada». Assim, fiquei rodeado por pessoas. Era o “Verão Quente 75” no seu melhor. Não imaginava que o pior estaria para vir poucos dias depois.