Jéssica Moás de Sá

Crise sempre à porta

19 Abr 2022

Crise. Uma palavra com relevo, memória e estrutura própria na vida dos portugueses. Com imagens ainda vívidas. Mais ou menos atingida, grande parte da população sofreu os seus fortes impactos, sobretudo entre 2009 e 2013. As escolhas tiveram de ser feitas entre prioridades. Os portugueses abdicaram de férias, a alimentação ficou-se pelo que a carteira podia aguentar, as empresas fecharam, as carreiras mudaram. Comer num restaurante passou a miragem. O dinheiro chegou apenas para as despesas fixas e nem isso foi para todos. Ainda não estamos nesse patamar, mas estamos a caminhar a passos largos para repetir a história. Crise – entoamos nas nossas mentes de cada vez que temos que atestar o nosso carro. Desde 2020 que temos vivido crise atrás de crise que se assumiu de diversas formas. Fracassamos em termos económicos mas não só, em termos sociais fracassamos ainda mais, basta acrescentarmos aqui outra palavra de que bem sabemos o peso – guerra.

O que acontece à maioria dos portugueses se, por algum motivo, não receber o seu salário durante dois meses? A resposta a esta pergunta é de nó na garganta. Falemos de exemplos práticos do quotidiano: a escolha entre comprar carne ou peixe. Em 2009 podia ler-se num artigo de um jornal generalista: «O bife de vaca está a ser substituído pelo de frango e de peru. Em vez de garoupa, come-se carapau grande. E os produtos em fim do prazo a metade do preço já têm clientes certos. Tudo para enfrentar a crise». A velocidade a que podemos passar de ter uma vida estável para não termos sequer orçamento para pagar um teto, é desconcertante e assustadora. Crise, uma realidade de ciclos que contamos sempre que nos possa bater à porta. Em tempo de Quaresma, há um paralelo possível de fazer, até porque a história se repete: esta é uma época de sacrifícios e o futuro próximo vai exigir, mais uma vez, muitos sacrifícios de grande parte de nós. Se comer carne (sobretudo vermelha) durante estes 40 dias era encarado como um luxo – associado a banquetes, nas cortes e residências nobres – agora, o luxo vai ser termos dinheiro para continuar a ter carne, peixe, legumes, seja qual for o alimento, na mesa.