Crónicas do admirável mundo novo: vícios públicos, virtudes privadas

6 Abril 2025

Na era da subversão de valores tão caros à evolução do pensamento humano, desde há 7 000 anos, como liberdade e resistência, nada melhor que começar estas crónicas com a alteração do dito popular “vícios privados, virtudes públicas.”

Sabemos agora que a mentira é resiliente, que com ela se consegue uma “inverdade”, mas desde que Joseph Goebbels conseguiu promover o Nazismo na Alemanha, que essa regra é real. Se repetirmos uma mentira com a voz convicta, já nem precisamos de o fazer mil vezes para que se torne verdade. Basta criar perfis falsos no facebook e publicá-la uma vez, que ela se reproduzirá mais que coelhos na Austrália. A mentira, se for dita como verdade, tocando a nossa sensibilidade irritada com o mundo, é mais fácil de acreditar do que qualquer realidade escondida da nossa capacidade crítica. Integra a condição humana procurar sempre o caminho mais fácil, nem que este seja um falso atalho e que, mais tarde ou mais cedo, nos coloquemos em trabalhos.

Nada é claro, ao ponto de permitimos, por exemplo, um novo genocídio na Palestina; de elegermos cidadãos que cometem abertamente crimes; de assumirmos todos os retrocessos na saúde, na habitação e na educação, acreditando piamente que é o sector privado que nos vai salvar e não o Estado a quem pagamos impostos, que por sua vez os distribuirá por famílias de privilegiados e, acrescento, mentirosos natos.

Defendo então o contrário desse ditado popular que aqui nos move o texto. Que se assumam publicamente todos os vícios e tendências criminosas e que se guardem para a esfera privada as virtudes. Creio que mesmo assim haverá quem vote de forma convicta no político que diga desde o púlpito, “Vou-vos roubar e usar o vosso voto para enriquecimento próprio!”. Já o Aquilino Ribeiro ficcionou a realidade, no “Quando os lobos uivam”, que há gente que só quer ver o mundo a arder, como vingança pela sua infelicidade crónica. Ninguém nos salva do aquecimento global da podridão humana ou será que ainda há um verdadeiro mea culpa dentro de cada peito que constitui a multidão?

As virtudes não precisam de ser públicas. Muitas vezes corre-se mesmo o risco de sermos acusados de as ter, de sermos “fracos” por as demonstrar. Já Immanuel Kant defendia que não devemos ser premiados por cumprir o nosso dever moral. Ser “bonzinho” mais parece aquelas ondas baixinhas, que nem movem a areia, nem chamam turistas para essa “onda”. O melhor é cada um plantar uma floresta, como fez o “Homem que plantava árvores” do Jean Gionno, ficando calado no seu cantinho verde, que passará a ser de todos. Talvez o ar se respire melhor.