Volto muitas vezes ao Poema Urgentemente, de Eugénio de Andrade (ultimamente pela voz da Garota Não) quando preciso de palavras que suavizem as constantes angústias que me assolam perante um mundo em ebulição. A capacidade de dialogar, de assumir cedências e compromissos, de mudar de ideias parecem conceitos fossilizados num mundo entrincheirado em ideias absolutas e com sintomas crónicos de carência de empatia. Fala-se com demasiada ligeireza, em guerra e ódio. Apelida-se com demasiada facilidade de inimigos os que ousam discordar da nossa forma de pensar e ver o mundo.
É urgente renovarmos a capacidade de ouvir. Essa coisa tão simples, mas tão útil de fecharmos a boca das nossas verdades e experimentarmos escutar outras vozes.
É urgente termos a capacidade de concordar que discordamos com elegância e educação. Sem que isso implique perder eloquência. Nunca haverá sociedades plurais com consensos absolutos, ainda bem. Viva a democracia! Mas podemos discordar sem tornar isso um insulto e uma diabolização.
É urgente ouvirmos os moderados e não apenas aos extremos com as suas posições barricadas e radicais. Procuremos privilegiar aquilo que nos une e desenhar ideias a partir daí.
É urgente cultivarmos a empatia pelo que não conhecemos, permitirmo-nos a descoberta antes de batermos o martelo, encerrando o julgamento antes sequer de ouvir o réu.
É urgente deixarmos de acreditar que os complexos problemas da sociedade de resolvem de forma simplista. Não há nenhuma esfregona mística que possa limpar num dia toda a porcaria que fazemos há séculos.
Já que estamos às portas de celebrar o Natal, quadra em que tanto se fala de amor, que façamos renascer a urgência da empatia e diálogo e que os transportemos para 2025.
Considerem como o meu presente este poema que me reconforta a alma na mesma medida que os sonhos de abóbora me aconchegam a gula natalícia.
Boas Festas!
Urgentemente, de Eugénio de Andrade
É urgente o amor
É urgente um barco no mar
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.