Falar água em francês

29 Julho 2025

Mesmo com este calor infernal, que me obrigou a fazer do meu bidé uma pequena piscina para os pés, a verdade é que nada deixa o meu cérebro mais em papa do que passar um dia inteiro a falar outro idioma que não português. Ao fim de dois dias só queria ouvir um palavrão e comer uma sandes de leitão na Bairrada. Durante uma semana, eu fui como uma mordoma para os convidados de um festival de cinema. Como era um evento internacional, está claro que a maioria deles falava inglês. E eu – que as minhas aulas foram na maioria a ver desenhos animados sem legendas –, não era fluente nessa língua. Dou-lhe uns toques, como a maioria de vocês, mas é apenas isso. Sabemos, por vezes, distinguir a esquerda da direita, perguntar pela casa de banho, e dizer a nossa idade. E isto, já é qualquer coisa. Porém, ninguém me tinha preparado para as exigências deste cargo. Eu sabia lá que a certa altura teria de saber dizer “esquentador” em inglês. O pior de tudo é que era só preciso de saber traduzir “aquecedor de água” para acertar, mas eu sou capaz de ter utilizado as palavras “frigorífico” e “quente” para designar este aparelho. Além disto, eu tinha também de garantir o bem-estar e a segurança destes amigos durante a sua estadia na cidade. Isso fazia com que eu tivesse de lhes aparecer por trás, tocar no ombro e perguntar, a sussurrar, se estava tudo bem ou se gostavam de homens – para quem desconhece a referência é ao programa Ruído, do Bruno Nogueira. Muito bom. Vejam! Em suma, tinha de repetir (mais ou menos) trinta vezes por dia se podia ajudar em alguma coisa. Eu conseguia ajudar em  tudo, menos em designar sítios bons para se comer. No único restaurante onde tinha jantado fora, comi um caldo verde, uma bifana e batatas fritas. Para típico português isto é pitéu mas, para quem vem de fora? Eles querem é marisco e grão-de-bico. Eu nem nadar sei muito bem, quanto mais dar indicações de onde se come bom camarão tigre. O bom é que ninguém vegan me pediu sugestões. É que podia ter corrido mal, e eu apenas dizer que encontrei muitas plantas no jardim do hotel, e que talvez serviria para o efeito. Mas pronto, entre tropeços e traduções retiradas do baú da minha avó, desempenhei um bom papel. Sobrevivi a elogiar outfits, a apontar para as bathrooms como uma hospedeira, e sorri tanto que fiquei com cãibras nos maxilares. Além disso, estou apta a conduzir qualquer veículo. Leste, mãe? Agora, sabem porque é que o título é Água em francês, quando eu nem sequer mencionei este idioma no texto? A verdade é que estava a ler a palavra eau – que significa água em francês –, e lembrei-me de como me estava a sentir quando tentava falar inglês… a gaguejar… “a-a-a-a-a”.