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O impacto das mudanças de ciclo em crianças e jovens

17 Setembro 2023
Jéssica Moás de Sá

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Jéssica Moás de Sá

17 Set, 2023

Mudanças «são sempre momentos potencialmente causadores de ansiedade», sejam elas quais forem. As mudanças que as crianças e jovens atravessam quando transitam, por exemplo, da pré-escola para o ensino primário ou do 9.º ano para o secundário, impactam as suas vidas, e disso não tem dúvida a psicóloga clínica Carla Alves, que trabalha há algum tempo em contexto escolar. «A mudança acarreta uma passagem para o desconhecido e o desconhecido, por si só, potencia ansiedade, dúvidas e portanto tem impacto no bem-estar e no dia-a-dia de quem vive essas mudanças», reforça.

Não é possível, defende a psicóloga, comparar qual das passagens de ciclo tem um impacto maior, porque cada uma acarreta desafios diferentes. «Na mudança da pré-escola para o primeiro ciclo, as crianças são pequeninas, não conhecem ainda a realidade escolar propriamente dita, conhecem uma realidade de pré-escola onde existe uma componente lúdica muito grande, que na entrada para o primeiro ano diminuiu bastante», começa por referir. «As crianças acabam por se ressentir, no primeiro ano há uma maior exigência em termos de concentração, em termos de realização das tarefas escolares, que não existe com a mesma obrigação e responsabilidade no pré-escolar», acrescenta.

Já na transição do quarto para o quinto ano, não se coloca a questão das crianças não saberem o que é o ambiente de escola, no entanto, colocam-se outras questões. «Transitam de um contexto de uma única professora, com poucas disciplinas, para um contexto com muitos professores e muitas disciplinas, muitas vezes mudam também de escola, e portanto são estas as adaptações a fazer», explica. Na mudança do sexto para o sétimo ano, a psicóloga acredita que o «impacto não é assim tão grande»: «Eventualmente uma mudança de escola física, mas em termos de ritmo escolar e hábitos escolares são semelhantes».

Do 9.º para o 10.º ano voltam a colocar-se algumas inquietações, sobretudo centradas numa palavra: escolhas. «Aqui os alunos já estão num patamar em que sabem que nos próximos três anos estão a preparar a sua entrada para a universidade, aqueles que seguem o ensino regular ou a entrada no mercado de trabalho, no caso dos cursos profissionais», refere. Portanto, nesta fase, «as adaptações têm muito a ver com isso, o dedicarem-se e aplicarem-se para conseguirem uma média compatível com o percurso universitário que querem seguir ou então a aquisição de conhecimentos técnicos para os trabalhos», frisa.

Psicóloga recebe muitos alunos

Chegam «muitos alunos, muitos mesmo», junto de Carla Alves: «Principalmente os do 9.º ano e 10.º ano demonstram muito estes receios», diz. No entanto, o que sobressai primeiro «não é propriamente a questão das mudanças de ciclo, são identificados nos jovens outro tipo de sintomas como ansiedade, dificuldade em dormir, dificuldade nas relações com os pares, sinais de carácter mais emocional, mas depois quando vamos trabalhar com os alunos percebemos que não é só isso que está em causa, a origem destas ansiedades pode ser, é uma das possibilidades, a mudança de ciclo».

Professora há mais de vinte anos frisa que é importante “ouvir e dialogar” com alunos

Sílvia Marques é professora, há mais de vinte anos, no Agrupamento de Escolas de Porto de Mós onde leciona a disciplina de Português ao 3.º ciclo e Secundário. Ninguém melhor do que quem “vive” perto dos alunos para lhes identificar as angústias. «As mudanças de ciclo, muitas vezes, fazem ecoar “medos”: mudam os espaços, mudam os professores, mudam as disciplinas, mudam as escalas de classificação, mudam muitas coisas mais…», começa por salientar. Mais obstáculos «terão de ser vencidos» pelos estudantes e por isso, na opinião de Sílvia Marques, para lhes poder «assegurar o sucesso escolar», bem como «o seu bem-estar», «terá de haver uma verdadeira política de inclusão». A professora considera «especialmente impactante a mudança do 2.º para o 3.º ciclo, pela multiplicação de disciplinas e de docentes, mas também pelo facto de esta coincidir, genericamente, com a assunção da adolescência, com implicações, por vezes, ao nível da relação com os pares e com as hierarquias».

Quais são as estratégias que utiliza em sala de aula? «Ao longo destes anos, tenho-me apercebido de que, às vezes, as estratégias mais impactantes são as mais simples», frisa Sílvia Marques. «Mais do que muitas teorias ou formações, que são muito importantes, na medida em que suscitam a reflexão e nos fornecem novas ferramentas, aquilo que faz realmente a diferença, estou em crer, é a disponibilidade para ver, ouvir e dialogar», acrescenta.

Apesar de poder «parecer simples», por vezes «é difícil conseguir tempo de qualidade com os alunos, devido aos múltiplos constrangimentos com os quais nos deparamos na escola de hoje». «Não há receitas: às vezes, uma conversa de poucos minutos entre blocos de aula, no intervalo, ou no bar da escola, impele à transformação; outras vezes, longas sessões não produzem esse efeito. É importante que os alunos saibam e sintam que podem contar com a Escola: o essencial é mesmo nunca esquecermos que cada aluno é uma pessoa e, felizmente, faço parte de um Agrupamento onde este princípio é valorizado», reforça.

Estratégias para lidar com as mudanças

Do Pré-escolar para o primeiro ciclo: «Em todos é importante o acompanhamento dos pais, mas nestes pequeninos, então, ressalvo ainda mais. Ou seja, é importante que haja aqui uma preparação por parte também dos pais de irem falando sobre a entrada no primeiro ano, o que vai implicar, mas tudo de uma forma muito leve, não de uma forma que logo à partida estejam a transmitir ansiedade».

Do 2.º para o 3. ciclo: «A preparação já é um pouquinho diferente porque, como disse anteriormente, as crianças já sabem a realidade escolar, portanto aqui a preparação será mais no sentido de sensibilizar ou conversar com as crianças sobre a alteração que vai haver em termos de passarem a ter muitos professores. Eles estão habituados a um só professor e portanto veem esse professor como um elemento de segurança. Agora vão ter vários professores, portanto, podem-se sentir um bocadinho perdidos».

Do 3.º ciclo para o secundário: «É necessário, com alguma antecedência, os pais fazerem um acompanhamento no que diz respeito às escolhas que vão fazer nesta transição. Por vezes, há pais que tentam influenciar os miúdos nas escolhas e colocam demasiada pressão, os miúdos referem-me muito isso. Costumo dizer, tanto aos miúdos como aos pais, que se houver uma escolha acertada por parte dos jovens ótimo, mas também é preciso haver flexibilidade para perceber que pode acontecer que os jovens façam uma escolha que depois percebam que não foi a mais acertada. É importante que haja abertura por parte dos pais para os filhos poderem fazer uma reestruturação da escolha que fizeram, ainda que implique voltar a repetir o 10.º ano. Alguns pais veem isso com muito bons olhos, para outros é como se estivessem a reprovar ou a perder tempo. Tento transmitir que não é isso que está em causa, que muito pior será se o jovem seguir o caminho que não quer, isso terá impacto no futuro de variadíssimas formas».

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