Não é um estado de alma muito original, mas para mim janeiro é o pior mês do ano. É frio, tem pouca luz, dias curtos, o corpo ressente-se com a ressaca da abstinência calórica depois dos excessos de Natal, as resoluções de ano novo continuam cristalizadas no papel e com pouca esperança de saírem de lá.
Escrevo esta crónica no dia que o psicólogo Cliff Arnall classificou como o mais triste do ano: 20 de janeiro. Além dos meus “sintomas” Cliff Arnall analisou outras variáveis, como as dívidas acumuladas nas festas ou a falta de motivação para concluir que na terceira segunda-feira do ano as pessoas estão mais deprimidas. Qual a validade científica deste estudo? Nenhuma, mas pelo menos dá um nome ao meu estado de espírito: Blue Monday (segunda-feira triste). E as coisas com nomes têm sempre outra força, veja-se o caso das tempestades.
Janeiro já é mau por si só, mas consegue-se fazer com que ainda piore? Oh, sim, claro! Sirva-se acompanhado pelo regresso da gripe para a experiência deprimente ser mais imersiva.
O vírus vem sempre discreto, entra num hospedeiro enfraquecido, dissemina-se pelas fossas nasais, encontra medo e ressentimento, e quando está bem implantado, liberta os sintomas com toda a sua violência.
O mundo parece-me hoje um lugar mais distópico, ouço coisas tão absurdas que parecem piadas. Primeiro vem o riso, mas colado a esse primeiro impulso, vem a náusea. Será um delírio febril?
A cabeça está completamente congestionada, com o sistema respiratório obstruído por um pegajoso corrimento nasal de ódio e mentira, cuja formação está tão abundante e em crescendo que me sobe aos canais lacrimais.
Os princípios ativos do paracetamol democrático e do ibuprofeno humanista parecem estar enfraquecidos e não estão a ser eficazes para combater os sintomas.
Há que ver algo de positivo neste quadro de enfermidade: o olfato emigrou para parte incerta e está ausente há longos dias. Óptimo para despejar penicos do miúdo e evitar o cheiro putrefracto das vassalagens entusiasmadas com a tomada do poder pela visão podre da desregulação libertária.
Janeiro é sempre mau para mim, mas este é particularmente doloroso pelo regresso da gripe, porque as recaídas tendem a ser sempre piores. O corpo dói-me, a senciência pesa-me, apetece-me deixar de existir só um bocadinho e esperar que a doença passe.
A minha animosidade com janeiro é antiga, porque durante muitos anos o frio deformava-me mãos e pés com frieiras, horríveis chagas de desconforto. Os mais velhos da aldeia tinham uma promessa de cura infalível: pó de maio. Sentia-me sempre enganada com essa prescrição, porque no frio de janeiro, maio parecia um sonho inalcançável. Mas, Maio chegou sempre. E esta gripe também irá passar. Antes disso ainda vou piorar, mas mais dia menos dia vou atravessar o pico e começar o retorno da cura.