Quarenta minutos de apresentação e hora e meia de discussão ilustram bem o interesse que a proposta de Plano de Cogestão do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros gerou a nível local, tendo juntado na Central das Artes cerca de duas dezenas e meia de pessoas. Dessas, 10 intervieram no espaço dedicado ao público. O que disseram está resumido neste artigo . Já as respostas do presidente da Câmara, Jorge Vala, e de dois dos técnicos que integram a equipa que elaborou a proposta (Óscar Pires e Sofia Quaresma), iremos resumi-las aqui.
“Parque deixa de ser desculpa para dizer ‘não’”
Jorge Vala começou por explicar que, com a passagem do Plano de Ordenamento do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros (PNSAC) a Programa, as condicionantes, em termos de construção, são transpostas para o Plano Diretor Municipal (PDM), portanto «deixa de fazer sentido bater à porta do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF)». «Quando não houver a compatibilização da vontade dos munícipes com o que está no PDM, é à porta do presidente da Câmara que devem bater», esclareceu.
É intenção do Município é iniciar o processo de revisão do PDM e, nessa altura, «nalgumas aldeias serão definidos polígonos onde se poderá passar a construir». No entanto, alertou, haverá sempre zonas onde a construção continuará a não ser permitida. «As pessoas têm de compreender que não se pode construir em qualquer lado, mas também não me parece que municípios e munícipes queiram construir novo num território onde há tanto para recuperar», afirmou.
Jorge Vala adiantou que o plano vem dar resposta a uma ambição antiga dos municípios, que era terem uma palavra a dizer sobre a gestão do PNSAC e não serem chamados apenas «quando era necessário fazer investimento ou para aceitar aquilo que vinha». A gestão continuará a ser feita pelo ICNF, mas os municípios conseguem agora influenciar o desenvolvimento do território. “Em contrapartida”, deixa de haver a «desculpa para dizerem que determinada coisa não se pode fazer porque o Parque não autoriza», frisou o responsável autárquico.
‘Não’ à distribuição equitativa de verbas
Na sequência da intervenção do presidente da Junta de Serro Ventoso, que defendeu a divisão das verbas previstas no plano de acordo com a área de cada um dos municípios, Jorge Vala disse «não poder concordar menos». «Estamos a tentar construir um território único e temos de aplicar os fundos onde são mais precisos. A certeza dos sete presidentes de Câmara é que aqui está o grande investimento para o PNSAC e esse deve ser para recuperar o que houver para recuperar e construir o que for para construir, independentemente do concelho», sublinhou.
Discordâncias à parte, deu a bienal Stone Art como excelente exemplo de «como a exploração de inertes não é incompatível com a valorização do território e um festival num contexto tão invulgar consegue atrair muitos visitantes». O responsável disse, ainda, que a recuperação das aldeias é uma prioridade e que há apoios para esse fim.
Quanto à ideia de se começar a investir no sobreiro, admite «que seja importante inovar e criar projetos novos» mas defendeu que não se deverá «substituir a importância que o olival tem para a população do Parque, sendo, talvez, a cultura que mais se tem mantido ou vindo a aumentar”.
A propósito do reparo de que o plano estaria a esquecer a agricultura, Óscar Pires disse ter feito apenas uma apresentação sucinta do documento e daí não ter falado de todas as ações que estão previstas, realçando a título de exemplo o projeto “Ouro Líquido”, de promoção do azeite, «nos municípios de Alcanena e Torres Novas e que terminada a fase piloto será estendido aos restantes municípios». De acordo com o técnico, o que se pretende é «uma melhoria na produção e a criação de uma marca, apostando na inovação para combater a estagnação que por vezes vemos no território».
Plano com objetivos claros e bem definidos
Por sua vez, Sofia Quaresma sublinhou que «este plano nasce de um decreto-lei onde estão muito explícitos os objetivos: promoção, comunicação e valorização do território». «Portanto, no caso da agricultura, o plano jamais pode integrar ou substituir-se a outros planos e estratégias de desenvolvimento agrícola. O objetivo é promover coisas únicas que existam no território e mostrar como tudo isso funciona a quem venha visitar o Parque, mas também valorizar tudo isso junto de quem cá vive, porque há pessoas que não conhecem o real valor do que existe», afirmou.
A mensagem de que o que se pretende é promover, comunicar e valorizar melhor o PNSAC seria repetida mais vezes ao longo da noite, mas sem colher a concordância de todos, o que levou Jorge Vala a dizer que «este é um plano de promoção, mas se não tivermos presente a conservação deixamos de ter parque e podemos matar a galinha dos ovos de ouro». Daí que seja importante, porque indica caminhos e define uma estratégia que no caso do turismo o afasta do de “massas”, apostando no de “nicho”, uma vez que há que proteger a riqueza natural do território e «isso não se consegue trazendo para cá, todos os dias, autocarros cheios de pessoas para fazerem a visita a espaços mínimos». Por outro lado, «as pessoas que cá vivem têm de sentir que vale a pena morarem num parque natural, terem retorno económico disso e qualidade de vida», defendeu.
Respondendo a Hélder Costa, Jorge Vala disse que é preciso ser-se ambicioso e se «há 30 anos não tivesse havido ambição com o projeto do Centro Rural, não tinha sido possível levar a cabo a construção dos parques de campismo das Pedreiras e de Arrimal e de muitos outros projetos feitos nessa altura». Já quanto ao Monumento das Pegadas de Dinossáurios, disse ser «o património maior do PNSAC» e que se «tem vindo a degradar por falta de capacidade financeira» para a conservação e os melhoramentos de que necessita. «É único no mundo e espaço de investigação científica e nesse sentido temos de o preservar», referiu.
Sofia Quaresma reforçou a resposta do autarca, explicando que os valores constantes da proposta «são estimativas de quanto é que as ações previstas poderão custar». «Nuns casos, se calhar, estão sobrestimadas, noutros, subestimadas, havendo, apenas, como certo e imediato, uma verba do Fundo Ambiental que tem sido entregue às áreas protegidas», tudo o resto terá de resultar de candidaturas aos vários
fundos nacionais e comunitários existentes.
“Já houve grande proximidade entre PNSAC e populações”
Embora o tivesse feito a título pessoal, Maria de Jesus, a técnica do ICNF que durante vários anos esteve à frente do PNSAC, interveio também e começou por afirmar que «a grande mais-valia deste plano é trazer novamente os presidentes de Câmara a trabalharem em conjunto e estarem juntos a olhar para este território». Em “resposta” a alguns comentários disse que, por vezes, a memória atraiçoa-nos e que «não, não houve sempre este desfasamento entre a direção do Parque e o território».
«Não é de todo verdade algumas das coisas que se dizem com segurança, como se fosse uma verdade absoluta», disse, perentória, acrescentando que «houve períodos em que, de facto, houve uma grande proximidade entre a direção do Parque, as populações e os autarcas e disso são exemplo a constituição da própria ADSAICA, as Semanas da Pedra, os festivais e muitos projetos».
«Em termos de gestão, o país caminhou realmente noutro sentido e a direção das áreas protegidas foi-se afastando do território, mas não foram os diretores que assim o quiseram, mas os decisores políticos», realçou.