Toca do Largo encerrado por falta de mão-de-obra qualificada

21 Março 2023

Jéssica Silva

Diz a sabedoria popular que «para grandes males, grandes remédios» e o caso da Toca do Largo mostra-nos isso mesmo: por vezes é necessário um grande espírito de sacrifício para resolver certos desafios e adversidades, mesmo que isso implique fechar as portas de um negócio, como fez Joey Gomes, proprietário do restaurante. O número 173 do Largo Dom Nuno Álvares Pereira, em Mira de Aire, está encerrado desde o passado dia 1 de março, devido à falta de mão-de-obra qualificada e não há uma data prevista para a reabertura.

O problema surgiu há cerca de dois anos, com a saída repentina de vários membros do staff para o estrangeiro – onde, nalguns casos, passaram a auferir o triplo do ordenado que recebiam em Portugal – e ganhou outras proporções com a dificuldade em substituir esses elementos: «Até à pandemia nunca tivemos problema, podia sair um que, nesse mesmo dia, arranjava-se logo substituição, mas depois as coisas complicaram-se», afirma o proprietário da Toca do Largo.

98% dos currículos são de estrangeiros

Desde que a equipa se dispersou que o restaurante nunca mais conheceu estabilidade em termos de staff. Os que chegam são sobretudo estrangeiros que, em muitos casos, só querem arranjar trabalho para conseguirem obter os papéis para se legalizarem no país. «Há muita gente à procura de trabalho mas 98% dos currículos que recebo são de estrangeiros. A grande maioria são venezuelanos e brasileiros, pessoas que não têm qualificação para trabalhar [no ramo] ou para estar a dar a cara ao público, com dificuldade na língua», revela. «Em muitos casos estavam à procura de trabalho por necessidade, mas a vontade e o querer aprender não existiam», acrescenta.

Joey Gomes lamenta que as pessoas menosprezem as funções existentes na área, o que leva a que tenham uma ideia enviesada sobre o que significa trabalhar num restaurante: «Qualquer pessoa pensa que servir à mesa é só pegar num prato, que cozinhar é cortar uma cebola, pôr num tacho e está o refogado feito… e não é assim». Esta noção errada acaba por se refletir nas candidaturas que recebe e dá o exemplo dos últimos dois copeiros que teve a trabalhar consigo. «Um era professor de Química na Venezuela e a outra, uma brasileira, era enfermeira. As pessoas podem ter muita vontade e estarem a necessitar de trabalhar mas acabam por desistir porque é um trabalho duro», reconhece.

Ao longo deste tempo, a procura por funcionários que possam integrar a equipa da Toca do Largo tem sido feita não só através das redes sociais, como através do IEFP, mas sempre sem grandes resultados frutíferos. Cerca de «80% das pessoas que aparecem estão à procura de carimbo e as restantes 20% querem trabalhar mas não têm experiência», conta. «Em 100 currículos que recebi, não há um que tenha tido uma hora de experiência na área da hotelaria», acrescenta. Sem funcionários e com o receio de não conseguir oferecer o serviço a que os clientes estavam habituados, Joey Gomes sentiu que não lhe restava outra alternativa para além de fechar a porta, uma decisão difícil, tomada em conjunto com a esposa, o seu braço-direito: «Em vez de prejudicar, decidimos fazer uma pausa, respirar fundo e andar à procura. Isto é uma casa com um profissionalismo acima da média, levamos o que fazemos muito seriamente e temos orgulho do trabalho que apresentamos. Quando houver uma equipa em condições, a gente reabre a porta». «Estar a recusar tanta gente chega a um ponto que desgasta muito», desabafa, mostrando-se desanimado. O desespero é tão grande que Joey Gomes admite que «fazia e pagava o que fosse preciso, para arranjar uma equipa boa»: «Se tivesse um chef de cozinha que me dissesse que tomava conta do restaurante, dava-lhe 10/15% da minha caixa todos os dias e eu nem lá entrava».

“O sacrifício da área é gigante”

A trabalhar há mais de 20 anos em hotelaria, Joey Gomes reconhece que a área está carregada de dificuldades, das quais destaca os horários «complicados» e o trabalho com o público, fatores que, acredita, podem levar ao afastamento de pessoas da área. «O sacrifício da área é gigante. É preciso gostar mesmo e ter brio. Cada vez há menos pessoas, profissionais qualificados, a gostar da área», considera, ressalvando que, hoje em dia, «a área da hotelaria já paga relativamente bem». Por outro lado, critica as escolas que, muitas vezes, vendem um «sonho irreal» aos jovens recém-formados: «Os miúdos com 18 anos querem ir para Inglaterra, é um sonho normal mas é um sonho que se calhar 70% não vai atingir». Esta ambição leva a que depois as zonas menos atrativas, como o interior, sofram com a ausência de mão-de-obra. «Faltam-nos as pessoas, faltam-nos os miúdos formados a quererem arranjar um trabalho onde foram criados, mas eles querem ir para Lisboa, para o Porto, para o Algarve…», lamenta.

A reabertura é certa mas o dia ainda é uma incógnita. Por agora, a Toca do Largo vai continuar encerrada, à espera de melhores dias, que é como quem diz de pessoas formadas dispostas a trabalhar em Mira de Aire.

Assinaturas

Torne-se assinante do jornal da sua terra por apenas:
Portugal 19€, Europa 31€e Resto do Mundo 39€

Primeira Página
Capa da edição mais recente d’O Portomosense. Clique na imagem para ampliar ou aqui para efetuar assinatura