É este o valor da lotaria da Páscoa que “foi à roda” há pouco tempo. À roda anda também a nossa cabeça quando o tema é o Serviço Nacional de Saúde (SNS) porque este é também o número de portugueses que não têm acesso ao médico de família. Um número que é o dobro dos 688 mil utentes que não tinham este acesso em fevereiro de 2019, de acordo com o bastonário da ordem dos médicos. Já para não falar nas intermináveis listas de espera para consultas e cirurgias.
As causas e os fatores que levaram ao atual estado do SNS são variados. As explicações são também distintas nos diversos espectros políticos: dizem-nos que a culpa é da conjuntura internacional ou do Passos, que é da economia ou da pandemia, dos médicos ou dos enfermeiros.
Não será certamente dos responsáveis políticos, sobretudo os relacionados com o SNS, tendo em conta que recebem distinções, destaques, prémios e maiorias.
Do outro lado temos profissionais de saúde que estiveram na linha de frente de pandemia, que fazem turnos em cima de turnos, que acumulam horas de trabalho intermináveis em condições longe das ideais (nem sequer mínimas por vezes), para no final serem chamados de “cobardes” pelo primeiro-ministro.
Na União Europeia prevalecem dois modelos de sistemas de saúde: Bismarck e Beveridge. Ambos são baseados na universalidade, solidariedade e equidade. Enquanto que no modelo de origem inglesa (Beveridge) o Estado financia, gere e presta todos os serviços, no modelo alemão (Bismarck) o Estado é apenas um administrador do sistema. O leitor certamente já percebeu que em Portugal temos o primeiro, mas no entanto podemos discutir a sua universalidade (a começar pelos 1,2 milhões).
Existem três intervenientes num sistema de saúde: utente (quem utiliza), prestador (entidade à qual o utente recorre) e financiador (a forma como este serviço é financiado). Podemos acrescentar aqui o administrador do sistema (o Estado).
Em Portugal, o Estado é assim administrador de um sistema que também financia e cujos serviços também presta. Curiosamente nem sempre é utente, tendo em conta que os funcionários do Estado têm um seguro (ADSE) e podem recorrer aos privados.
Pelos exemplos que nos têm chegado ao longo dos anos, o Estado não tem sido um bom gestor da coisa pública e a saúde é um bom exemplo. Temos também exemplos, estudos e auditorias que demonstram que as parcerias público-privadas na saúde têm menores custos e são mais eficientes do que o serviço público. Não sou eu que o digo, é o Tribunal de Contas.
A mim como cidadão importa-me ter acesso a cuidados de saúde quando deles necessitar. Pessoalmente é-me indiferente se esse serviço é público ou privado. Se estou com dores, quero é que passem!
Bom seria que tivéssemos um sistema de saúde moderno, focado na educação e prevenção e que garantisse o acesso universal a todos (e mesmo a todos). Em resumo, um sistema que funcionasse para todos e que não fizesse com que a saúde de cada um fosse uma lotaria.