Estupidez artificial

3 Março 2025

Um dos temas que tem dominado as discussões de carácter tecnológico nos últimos meses é o bicho-papão da inteligência artificial, essa grande e misteriosa caixa-negra destruidora de criatividade, criadora de discórdia, comedora de ganha-pãos, rainha dos primeiros homens-máquina e senhora dos sete treinos (do modelo de dados). Um dia escreverei sobre o medo exagerado (mas não infundado) desta poderosa ferramenta, mas hoje quero debruçar-me sobre um outro flagelo tecnológico bem mais preocupante e com repercussões reais, transversais a vários domínios da sociedade, que vou denominar de “bolha algorítmica”.

Faço parte da geração de adolescentes que viu nascer as redes sociais. Num piscar de olhos, todo o mundo nos parecia mais próximo! Todos os nossos amigos estavam ali, a partilhar fotos, textos, momentos. E os amigos dos nossos amigos, e os desconhecidos, e os desaparecidos. Criavam-se grupos, partilhavam-se vidas, comentavam-se futilidades. Estes primeiros anos foram uma experiência social única, que nos aproximou a todos, mas que serviu para os gigantes tecnológicos na sua génese perceberem como poderiam monetizar as nossas vidas.

Não acho que esta tenha sido a fase mais preocupante, mas sim a que se seguiu. Os atores políticos, esses sagazes rapazes sedentos de supremacia, abriram a pista de dança do poder ao som desta nova música, onde todos somos simultaneamente compositores e ouvintes. Lenta, mas eficazmente, as redes sociais foram gerando bolhas ideológicas cada vez mais especializadas e cada vez mais extremadas, alimentadas por algoritmos politicamente motivados, que vivem da imbatível força resultante da união do sentimento de comunidade e pertença, ao profundo ódio.

Ao encontrarmos “a nossa tribo”, perdemos a noção da vastidão e diversidade da floresta. Vivemos em câmaras de eco que parecem irremediavelmente isoladas. Continuarei esta reflexão na minha próxima crónica, mas por ora, sejam bem-vindos à era da estupidez artificial!