João Salgueiro

A “estória” que a História tende a ignorar

30 Abr 2023

Por todo o mundo, especialmente em África e América do Sul, em meados do século passado surgem grandes alterações no panorama geopolítico com a independência de vários países. Nuns casos pacificamente com apoio da ONU e/ou das grandes potências. Noutros, com recurso a movimentos armados intitulados movimentos de libertação.

Portugal, como país colonizador, nunca aceitou negociar as independências. Salazar perante a opinião mundial estava isolado, o país economicamente debilitado e sem recursos humanos preparados para o que se adivinhava.

Sem surpresa, no inicio dos anos 60 aparecem os primeiros casos de guerrilha em Angola alastrando-se rapidamente à Guiné e a Moçambique. Salazar no seu célebre discurso diz: “Para Angola já e em força”.

Movimentos como o MPLA, a UNITA, o PAIGC, a FRELIMO, a RENAMO entre outros, cedo mostram grande potencial de guerra nos seus “santuários”.

Os seus lideres com grande aceitação no estrangeiro, recolhem apoios nas mais diversas áreas, sobretudo armamento e apoios financeiros.

Preparados à pressa, mobilizaram-se milhares de jovens na flor da idade, quando se preparavam para formar família, estabilizar emprego ou concluir estudos. Vão enfrentar ambientes hostis e cheios de imponderáveis. Refiro apenas alguns: desconhecimento do terreno, clima, minas, armamento obsoleto, doenças endémicas, instalações precárias, animais selvagens, populações a dar apoio aos movimentos da guerrilha, etc.

Outro problema surge e era crucial neste cenário de guerrilha. Portugal não tinha quadros de comando preparados, sendo que deles dependeria a sua sobrevivência e a dos homens por eles comandados, assim como melhoria das condições onde se encontravam a prestar serviço. Em muitos casos, foram os comandantes de Companhia e seus militares a construir instalações de apoio. Em muitos quartéis, no início, nem instalações sanitárias existiam.

A Academia Militar formava Oficias do Quadro Permanente (QP). As Escolas Práticas sobretudo de Infantaria, Artilharia e de Cavalaria, formavam Oficiais Milicianos. Cedo se concluiu não serem suficientes face ao contingente militar português nas diversas províncias.

O Governo através do seu ministro da Defesa Sá Viana Rebelo, preparou legislação de modo a possibilitar aos Oficiais Milicianos, com formação de dois semestres serem equiparados e beneficiarem das mesmas regalias dos Oficiais do QP.

“Estala o verniz” entre classes gerando grande contestação por parte dos oficias do QP.

Aqui está a génese do denominado movimento dos Capitães.

Como refere o Ex-Capitão Miliciano, Rui Neves da Silva, no seu livro intitulado Milicianos os peões das Nicas, a classe sentiu-se ferida no seu prestígio, na sua dignidade, no seu brio profissional, no seu ecletismo intelectual.

O movimento de contestação fervilha e em 21 de agosto de 73, ocorre uma reunião na Guiné para debater o problema. Embora o diploma inicial tenha sofrido algumas alterações, curiosamente publicadas no dia anterior, foram julgadas insuficientes. Segundo eles em nada alterava a heresia de facilitar a entrada de Milicianos para o Quadro Permanente.

Em 9 de setembro de 73, nova reunião desta vez em Alcaçovas, no Monte Sobral com a presença de 95 Capitães, de 35 Tenentes e dois Alferes.

Aí foi reafirmada a contestação e, agora, já com novos horizontes: Golpe de Estado com três objetivos bem definidos. Cumprir os três “D”, Democratizar, Descolonizar e Desenvolver.

Sobrou Abril! Acabámos juntos.