Escrevo isto depois de ler o último editorial d’O Portomosense, em que Luís Vieira Cruz mostra a sua preocupação com o que descreve como sendo o aumento do discurso de ódio, contra imigrantes, homossexuais, contra tudo e mais um par de botas, apelando a uma tolerância de forma a que não nos tornemos tacanhos de arma em riste. No final questiona-se se “estes fachos” pensarão mesmo aquilo que dizem, ou dizem o que dizem exactamente por não pensar.
Se for bem sucedido no que direi a seguir, não misturarei a minha opinião sobre os referidos temas, pois apenas pretendo desafiar-me a colocar por escrito aquilo que entendo como sendo a armadilha da assimetria e a urgência com que se quer mudar as convicções dos outros.
Façamos o exercício de estar do outro lado da barricada e no parágrafo inicial deste texto troquemos a palavra “contra” por “a favor de” ou “fachos” por “wokes”. A argumentação é a mesma, mudando apenas o campo de quem o diz. Como é que sairemos disto? Como é que, debatendo franca e abertamente, iremos chegar a uma conclusão?
Karl Popper, no seu livro A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, publicado em 1945, afirmou que se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra os ataques dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância com eles. Então façamos um exercício de imaginação e coloquemo-nos na camisola dos que o Luís Vieira Cruz designa como “influencers de taberna”. Será possível que eles próprios se sintam vítimas da intolerância woke, que, pelo que vamos vendo do outro lado do Atlântico não hesita em perseguir, despedir ou mesmo agredir aqueles que não os aplaudem? Será que os “influencers de taberna” podem defender-se, recorrendo ao excerto da canção de João Gilberto que afirma que “os desafinados também têm um coração”?
Eu sugiro uma visão de prazo alargado. Saltando para um outro tema que incendeia paixões e convicções, o da tauromaquia, será fácil de concluir que parte significativa da fricção em curso, resulta da urgência com que cada uma das diferentes abordagens pretende resolver definitivamente, a sua manutenção ou o seu fim. Eu, depois de ouvir os argumentos de ambos, prefiro lembrar que há 2000 anos, no que existia mais próximo da tauromaquia, havia pessoas nos lugares dos touros. Acredito por isso, que num prazo alargado, as corridas de touros serão definitivamente modificadas de forma a que o potencial de violência seja reduzido. Da parte dos que não apreciam a festa brava, é absolutamente necessário exigir aos do outro lado da barricada, que mudem as suas convicções já, imediatamente? Em nome da tolerância de que Popper nos falou, será possível aceitarmos, até eventualmente legislarmos, no sentido de que num horizonte temporal de uma ou duas gerações a tauromaquia se torne menos violenta? Não seria este ponto de compromisso mais realista e menos impositivo sobre o que outros defendem com igual convicção?
Regressemos agora à fricção entre os “influencers de taberna” e os activistas woke, transportando a mesma lógica que acima referi. Considerando o que são os ciclos dos assuntos apelativos, ou seja, as modas de pensamento, não me surpreenderia que os que hoje se afirmam mais progressistas e incomodados com os tais “influencers de taberna”, daqui a uns anos defendam coisas diferentes. Os conservadores, mesmo com lentas e ligeiras cedências ao andar do tempo, continuarão sempre a existir. Bem me lembro de ser miúdo e de ouvir os “práfrentex” (como se dizia então) gritarem que o “casamento é só um papel” e passados uns anos, assistir à sua luta pelo direito a esse mesmo casamento. Flutuações idênticas irão acontecer com os actuais temas fracturantes e identitários. Até porque nos ciclos longos, e disso não duvido, todos estamos condenados ao entendimento mútuo.