À minha volta, o dióspiro foi sempre um fruto pouco vulgar. No nosso quintal não havia nenhum diospireiro e conhecia-os apenas pela parte de uma prima, que os tinha em abundância. Com a chegada do Outono, lá vinham dois ou três sacos de asas, cheios até ao coruto, que era suposto ajudarmos a gastar. Para não se derreterem, eram apanhados ainda rijos. Só depois de esperar que amadurecessem é que se conseguiam comer. A variedade que ela tinha, era dos “de comer à colher” que era também a única que eu então conhecia. Não gostava daquilo. Deixavam-me a boca grossa e o desconforto era tal que, mesmo bochechando com água, a agonia demorava longos minutos a passar. Quando ficavam maduros, ficavam tão espapaçados que pareciam podres e agoniavam só de olhar.
Foi há pouco menos de dez anos, e fora do país, que me deram a provar dióspiros da outra variedade, dos “de roer”. Estavam maduros, mas mantinham a consistência de uma maçã, descasquei-os com uma faca e durante uma manhã acabei por comer uns cinco ou seis. Foi pelo Google Translator que soube aquilo que estava a comer. Fiquei admirado pois não lhe encontrava nenhuma parecença com a agonia que guardara das minhas memórias de infância.
De entre as últimas árvores que o meu pai plantou no meu quintal, a escolha recaiu sobre um diospireiro de cada variedade. É incrível a diferença de porte destas duas árvores. A maior é a dos de “comer à colher” e, ao contrário da outra que no ano mais produtivo só conseguiu dar três frutos, carrega todos os anos. Os primeiros dióspiros que ali apanhei dei-os às ovelhas, que estão sempre com apetite e que, depois de os comer, ficam com o focinho cor-de-laranja durante algum tempo.
Há dois ou três anos, arrisquei e experimentei um dióspiro que estava quase a desfazer-se de maduro. E não é que gostei? Descasco-os com o canivete e a seguir como-os de uma forma quase alabregada, ao ponto de, quando acabo o repasto, me lembrar do focinho das ovelhas e ir lavar a cara. Por isso, para fazer render a lavagem, dou por mim a comer vários de cada vez.
Este ano, a árvore voltou a carregar e hoje comi mais três. Na torneira do curral das ovelhas, lavei a cara, o canivete, e vim escrever esta crónica.