Patrícia Santos

Educar para o feminismo

16 Mar 2024

As últimas décadas trouxeram muitas conquistas para as mulheres portuguesas. Há um grande avanço na presença no mercado de trabalho, na escolarização das mulheres e nas liberdades individuais. Mas o plano das conquistas e da luta ainda por fazer atropelam-se. A distância entre uma igualdade plena de oportunidades ainda persiste. As desigualdades salariais entre homens e mulheres persistem. O trabalho doméstico e o papel de cuidador continuam a ter um peso muito superior nas mulheres e é também sobre elas que a factura de ter um filho é altíssima em termos de progressão da carreira. Nos crimes de violência doméstica, que já de si incidem esmagadoramente sobre mulheres, continuamos a ter muitos casos de femicídio, ou seja crimes de ódio baseados no género da vítima.

O problema não é o sexo com que se nasce, mas sim a construção social do género feminino e o sentido que lhe é atribuído. Essa construção começa, silenciosa, na forma como brincamos com as crianças. Na maioria dos casos, este enviesamento não é consciente, mas continuamos a educar as meninas para darem prioridade à beleza, ao amor romântico, à vida familiar, a profissões ligadas a cuidar do outro.

ontinuamos a educar meninos para serem competitivos, fortes, líderes. Às mulheres continua a não ser permitido envelhecer de forma pacífica com os seus cabelos grisalhos e as suas rugas. Sim, essas que dão charme aos homens. Continuamos a admitir uma indústria que faz brinquedos para meninos e meninas, estes últimos muitas vezes intelectualmente inferiores. Continuamos a dizer aos meninos que não chorem, que não usem rosa, que não façam coisas de “meninas”. Continuamos a achar que namorados/as são currículo ou cadastro, conforme o género do adolescente.

Educar para o feminismo está longe de ser um exclusivo de mães e pais de meninas. Quem educa uma menina tem a grande responsabilidade de não a deixar ter menos sonhos ou ambições por causa do sexo atribuído à nascença. De lhe mostrar que ela é dona do seu corpo e que nenhum homem lhe é superior apenas pela condição de ser homem. Quem educa um menino tem a missão de lhe ensinar a assumir os seus sentimentos em liberdade, retirando a carga negativa ou o sentido de superioridade em relação ao que é “feminino”.

A luta feminista não é uma luta contra os homens, é uma luta por homens e mulheres livres. É poder dizer às raparigas que elas são donas do seu corpo e destino, que podem ser o que quiserem, mas que não têm de ter os superpoderes de serem super profissionais, super mães e super donas de casa, num malabarismo extenuante. É dizer aos rapazes que eles são livres de sentirem, que podem assumir o papel que quiserem na família e que não têm de carregar o peso de ter de assumir o papel do “pai de família”, mas que partilham todas as responsabilidades da vida familiar. É acima de tudo, dizer-lhes que partilhar a vida com alguém não é uma relação de poder e posse. No final, tem de haver sempre respeito e empatia e vão viver felizes para sempre, enquanto durar.