“Este Natal, mudem a minha morada fiscal”

24 Dezembro 2023
Texto

Cátia Beato

Nem sabem a alegria que me preenche quando compro um bilhete e vou viajar nos transportes públicos. Estar em pé, agarrada à barra de metal e tentar não escorregar para cima da senhora que está ao meu lado, enquanto o motorista conduz o autocarro como se estivesse a candidatar-se para a próxima edição do “Rally de Calçada Portuguesa”.

Digo-vos com toda a certeza: se pudesse, a minha morada fiscal seria no Expresso 79 direção Mangualde. Tenho 28 natais – quase, porque ainda não é Natal –, e já vivi em 4 cidades diferentes. Sou de Porto de Mós, mas já passei por Leiria, Coimbra, Lisboa e agora estou temporariamente na Covilhã. Além da minha família, que sempre foi a mesma… espero eu não ser prendada com alguma novidade! Atenção família se estiverem a ler isto, eu prefiro os ‘KinderSurpresa(s)’ de chocolate. Entenderam? Barriga de chocolate… Mas estou a brincar, eu adoro novos nenéns. Se for menino vai-se chamar Paulo, em homenagem ao motorista do autocarro da minha Secundária. Era o único que conhecia.

Mas voltando ao tema, tirando a família a outra única constante que tenho na vida são os transportes. Eles funcionam como as relações amorosas depois da fase da “Lua de Mel”. Por dentro são uma desorganização total, como já estão tão habituados à minha presença apenas se lavam semanalmente, e chegam sempre atrasados aos locais de encontro, mas sem eles não consigo ir a lado nenhum – superior a um raio de 10km –, porque não tenho carro. O único carro que tive, apenas durou um mês nas minhas mãos porque ninguém me avisou que o tubo da água estava roto e que era preciso encher o depósito de vez em quando. Não sei quanto a vocês, mas eu entendi este gesto divino como um sinal de que a melhor “chave”, para mim, era aquela que
abria as cancelas dos comboios.

Andar de transportes já me é tão familiar que, quando volto a entrar num deles, digo sempre a mesma frase que costumo dizer quando vou ao Centro de Saúde. “Continua com o mesmo cheiro desde que cá vim a última vez”. Diria que mais próximo que o cheiro só mesmo o tato, mas acho que não me apetece andar na apalpação com os estofos dos bancos. Seria bizarro eu lembrar-me de como são os autocarros pela textura dos assentos e da quantidade de pastilhas elásticas coladas em baixo que, por exemplo, o Expresso 69 tinha na traseira.

Porém, eu estou cansada de andar para trás e para a frente. Nunca sei onde moro e todos moram longe de mim. Então, para facilitar a minha vida, acho por bem que a minha morada fosse mudada para a Rede Expressos. Vantagens: estou sempre pronta a apanhar o próximo autocarro, é um sítio fechado onde a chuvinha não entra, e tem televisão apesar de não a ver. Contras: tenho de pagar 1€ para fazer xixi. Onde é que isto já se viu, ter de pagar para me sentar numa sanita limpa e usar o lavatório. Eu devia de adotar esse sistema era em minha casa. “Queres usar a minha sanita? Mete moedinha na ‘vaquinha’ e deixo-te entrar. E, até te dou papel higiénico, se for uma moeda das grandes”. É assim que nos temos de fazer à vida jovens, quem não tem cão caça com gato.

Se é para pedir prendas ao amigo de fato vermelho e barba branca, eu digo “Este Natal, mudem a minha Morada Fiscal”. Ou então ofereçam-me um passe vitalício para usar nos transportes a toda a hora, quando e onde quiser. Sejam meus amigos como eu sou vossa amiga. Quem é que tem dado dicas de sobrevivência ao longo deste ano? Tenho sido eu, claro. Acho que depois de todo o amor e carinho, era o mínimo que podiam fazer. Mas se realmente me derem isso, façam-me um favor primeiro e façam uma “vaquinha” para eu usar as moedas quando precisar de ir à casa de banho.

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