José Conteiro

Madrinhas de Guerra

23 Mar 2024

O papel e os direitos das mulheres ainda só são reconhecidos em poucas civilizações. Na Civilização Ocidental, o seu estatuto começou a ser escrito há pouco mais de 100 anos e ainda tem poucas páginas. Noutras civilizações, as páginas desse estatuto estão em branco ou em negro como breu e como as abayas que lhes cobrem o corpo. Salazar dizia em 1932 ao Diário de Notícias que o lugar da mulher é em casa e subordinada ao homem. Afirmava ele… «Deixemos, portanto, o homem a lutar pela vida no exterior, e a defender a sua mulher, trazê-la nos seus braços no interior da casa», – e continuava – «Não sei, afinal, qual dos dois terá o papel mais belo, mais alto e mais útil». Noventa anos depois ainda vamos ouvindo por aí a afirmação machista de que «por detrás de um grande homem há sempre uma grande mulher». Não é por detrás, é ao lado, estúpidos!

O Estado Novo regulamentou essa filosofia na sua legislação. Durante a Guerra Colonial (G.C.) era isso que se esperava das mulheres. As avós, mães, tias, primas, irmãs, namoradas, esposas e madrinhas de guerra deveriam ficar na retaguarda durante a ausência do combatente e trocarem correspondência onde nunca se escreveria a palavra guerra. Durante esses treze anos, todas as mulheres portuguesas tiveram a sua vida, pessoal e social condicionada porque havia sempre pelo menos um combatente familiar em campanha, podendo, até, não mais voltar. No concelho de Porto de Mós houve uma jovem que perdeu lá um irmão e o namorado.

Nessa altura, as jovens e os combatentes foram sensibilizados pelo poder e por algumas revistas (Maria e Crónica Feminina p. ex.) para oferecerem e solicitarem, respetivamente, correspondência regular. Muitos destes contactos acabaram em casamentos. Esta prática já vinha desde a I Grande Guerra. A madrinha de guerra era a protetora do militar em campanha. Durante a presença dos nossos combatentes na Flandres, mulheres portuguesas, brasileiras, francesas e inglesas foram suas madrinhas enviando-lhes tabaco, presentes, doces e apoio moral.

Havia um pressuposto de que as mulheres jamais deveriam pegar nas armas. Afirmava-se que elas são a fonte da vida e não deveriam combater para tirar a vida a outrem. Quando muito asseguravam a retaguarda em ambulâncias e outros serviços de apoio. Com a emancipação das mulheres e com a triste constatação de que os povos ou estão em guerra ou devem estar a preparar-se para isso, elas em Portugal desde 1992 (as famosas enfermeiras paraquedistas desde 1961) passaram a estar ao lado dos homens nas fileiras. Algumas já atingiram o generalato. Presentemente, em Portugal é uma mulher que está à frente do Ministério da Defesa.

A terra foi manchada pelo sangue humano quando Caim matou Abel e a guerra, infelizmente, passou a estar sempre no caminho dos humanos. Homens e mulheres somos mais que bestas, mas também o somos.
Sem querer banalizar a violência, cito Aleixo:

“À guerra não ligues meia
Porque os grandes da terra
Ao verem guerra em terra alheia
Não querem que acabe a guerra”.

Triste sina. Negra condição.