Victor Hugo dizia que o viajante numa das suas caminhadas via, e ouvia, “os passarinhos balançando-se nos ramos das árvores, descantando apaixonados gorjeios dos queixumes dos seus ternos amores”. O autor de Os Miseráveis é aqui referido com os objetivos de dar credibilidade ao texto e ao escrevinhador. Receio bem que nem uma coisa nem outra se conseguirão, mas acrescento àquela frase de um mestre, que se os machos cantam é porque lhes corre bem a vida. Eles servem-se do seu canto e da sua aparência física para atraírem as parceiras. Olhai as aves do céu… Nem Salomão em todo o seu esplendor se vestiu como uma delas (Mateus 6:26.30).
…Eu gosto muito de aves. Especialmente de pássaros e este texto bem poderia ser uma das minhas redações na escola primária. Todavia eu não deixo de referir que fico triste com tanta ignorância da nossa população na identificação das aves que fazem parte da nossa fauna, quer das aves migratórias, quer das residentes. E não se pense que são só os jovens. Há por aí muitos adultos que, neste aspeto, “não dão uma para a caixa”.
Em 2013, as então Juntas de Freguesia de S. Pedro e de S. João de Porto de Mós editaram o livro Ventos da Memória que, a este respeito, tem um erro crasso na página 136 da secção de S. Pedro. Exibe-se a foto de um pardal e na legenda informa-se que é um cartaxo. Embora sejam ambos passeriformes, têm pouco a ver um com o outro. Têm uma plumagem e hábitos muito diferentes. O pardal é de cor cinza ou acastanhada. Chega a ser incómodo junto das nossas casas, porque nidifica em qualquer lado. É granívoro e, por isso, é uma dor de cabeça para os donos das culturas de cereais. Tem um bico curto, grosso e rijo. Não anda, mas saltita. Voa muitas vezes em bando. Há muitas variedades deles e é visto em todo o mundo. Neste aspeto os pardais são como os portugueses. O segundo tem uma plumagem mais bonita, diria eu. Tem a cabeça preta, um colar branco e o peito cor de fogo, é insetívoro, tem um bico comprido e fino. Pousa num galho, ramo ou fio e espera que as presas passem nas suas imediações. Faz a sua investida e, quase sempre, volta para o local de onde partiu independentemente de ter sucesso ou não. O cartaxo não é gregário, antes pelo contrário, é muito solitário e é muito raro. Uma das razões para esta particularidade é o facto de ter muitos predadores por nidificar no chão junto de arbustos ou ervas altas. Até as atividades agrícolas contribuem para a destruição dos seus ninhos.
Um outro pássaro cheio de graciosidade e beleza é a alvéola, também conhecida por arvela ou lavandisca. A garotada do meu tempo dizia que “quem apanha uma arvela é mais esperto do que ela”. É migratória, rabilonga e de cor cinzenta (também há uma variedade amarelada). Costuma andar pelo chão à nossa frente a saracotear-se. Em criança aproximei-me de uma, já adulta, pela retaguarda e apanhei-a. Radiante, mostrei-a aos meus amigos e corri com ela na mão para a entregar ao meu pai e provar a minha “esperteza” cumprindo o adágio. Meu pai pegou nela com cuidado, examinou-a, soprou a sua plumagem e verificou que tinha uma ferida, debaixo de uma asa, já em fase de cicatrização. Daí a facilidade com que a apanhei. Afinal ainda não foi daquela vez que consegui mostrar a minha “esperteza” e até hoje, mesmo noutros aspetos, ainda não consegui essa proeza.
Qual é o interesse que isto tem?… Nenhum. Eu avisei.