Vindo de terras acima do Douro, faz agora vinte anos, encontrei-me com quem me esperava para me orientar e dar as boas vindas. Esses dois colegas, afáveis e prestáveis, eram também eles conhecedores da realidade linguística da zona norte do país que é, em abono da verdade, bem mais diversificada. Sentia-me confortável para dialogar com eles com todo o à vontade e assim o fiz até ao momento em que percebi que, com a minha conversa, acabara de silenciar uma sala cheia de outras pessoas que falavam vigorosamente 2 segundos antes. Não entendi imediatamente o que estava a acontecer, até que me explicaram:
– “A malta aqui não está habituada a ouvir esse tipo de palavras assim…”.
– “Foda-se!” – disse eu.
Choque! Pára tudo! Mas porquê? Não entendi. A partir daí envidei numa saga com o objetivo de beatificar o palavrão. Com a ajuda do desenhista e humorista brasileiro Millôr Fernandes e o seu texto, que é uma verdadeira ode ao vernáculo, comecei por tentar explicar a quem comigo se cruzava que, efetivamente, de onde eu venho, o palavrão não tem o mesmo peso que aqui no centro. Funcionam lá como “muletas” do discurso. Não significam o que significam só por si, mas sim pelo tom que se lhes dá. O meu melhor amigo é um “paneleiro do caralho” é o equivalente a dizer que eu gosto tanto daquele gajo que dava a vida por ele. Estranho? Recordo que nos tempos da minha infância quando estávamos todos (os miúdos) a jogar à bola na rua e, quando se aproximava a hora do jantar, a minha vizinha chamava o seu filho com a seguinte frase: “Oh meu filho da puta, tu anda pra casa comer a janta! E livra-te de eu ter de te chamar outra vez, caralho!”. Eu conheci a minha vizinha a vida toda e posso garantir que ela nunca trabalhou no ramo da prostituição. Mais ainda, longe dela estar a insultar-se a si mesma com aquela expressão que atirara ao seu filho. Era uma expressão que garantia que, se ele não fosse logo para casa, estaria mesmo em maus lençóis (ou seja, estaria fodido).
Em minha casa isso não acontecia. Eu era quase o único daquele lugar que estava proibido de usar palavrões. Que pena. Tanto stress que eu poderia ter libertado com a simples expressão: “Puta que pariu!” O leitor já experimentou? Então, caso não tenha experimentado, tranque-se numa divisão e garanta que ninguém o ouve. Depois, diga-o! Mas não de qualquer forma: comece com os lábios cerrados e as bochechas cheias de ar para dar ênfase à primeira sílaba. Liberte-a como se fosse uma bala a sair do cano de uma pistola. Na segunda sílaba, garanta que estala com essa língua no céu da boca com vontade. Quanto à palavra do meio, não há grande especificidade, mas logo de seguida, repita a receita anterior: lábios cerrados e bochechas para fora. Na segunda sílaba da terceira palavra, faça sobressair o “i”, usando o tempo que achar necessário para a sua vocalização. Já está? E que tal? Bem mais leve, certo? Esta é uma receita alternativa a muitos ansiolíticos: uma a duas tomas diárias, em privado ou à frente de quem merecer ouvir, e vai ver que a sua vida começa a ficar mais leve.
O palavrão é, para mim, como uma boa bebida: com moderação e na hora certa, que é para nos abonar com o melhor que tem.