A evolução tecnológica tem acrescentado confortos vários à nossa vida. A indústria automóvel esforçou-se desde sempre para nos oferecer cada vez mais funcionalidades. Não é preciso ser-se muito antigo para recordar como nos surpreendemos com a banalização dos auto-rádios, dos vidros eléctricos, do fecho central de portas ou da afinação telecomandada dos retrovisores. Depois vieram os sensores e avisos sem fim, câmaras de marcha-atrás, computador de bordo e iluminações interiores que banalizam qualquer árvore de Natal. Os conhecimentos de mecânica, mais ou menos profundos, que noutros tempos se exigia a cada condutor para se poder desenrascar quando o carro falhasse, são agora desnecessários. Em caso de avaria, em vez de se abrir o capot, liga-se para a assistência em viagem e o diagnóstico já não depende de um ouvido treinado, mas de um computador portátil. E tudo isto se acelerou com os carros eléctricos, em que todo o funcionamento depende do ecrã táctil central. Garantem-nos que com o louvável objectivo de prevenir os trágicos acidentes, brevemente todos os veículos estarão ligados e comunicarão entre si. A condução autónoma será o passo seguinte e, nesse momento, os seres humanos serão relegados a simples passageiros. Frases como “estás com sono?”, “vê se vem algum carro desse lado” ou “vai mais devagar que aí à frente há um radar”, tornar-se-ão obsoletas.
Confesso que estes carros que se armam em espertos, me irritam. Os avisos de “vai com cuidado” e “não te distraias” deviam ser um exclusivo das mães e esposas, ou maridos, dos condutores. Dando largas à criatividade, é fácil imaginar um futuro distópico em que um ditador, auxiliado por inteligência artificial, controlará as deslocações de todos os seus “súbditos” e, dessa forma, os impedirá de se rebelarem contra ele. Por nunca ter lido nenhum livro de ficção científica em que o regime político fosse uma democracia, imagino sempre um futuro em que seremos vigiados e controlados por patifes. Nessa história, para acabar com o tirano, será necessário recorrer a veículos analógicos, e os resistentes ao opressor terão de receber instrução sobre como conduzir um 2 cavalos ou a uma 4L. Devem saber que se puxa o manípulo do ar quando o motor está frio, como usar uma caixa de velocidades sem arranhar as mudanças, saber fazer ponto de embraiagem na subida do Algar, saber fazer uma ligação directa com um bocado de arame de fardo de palha encontrado à beira da estrada, e também como pegar de empurrão. Sabendo que a realidade ultrapassa sempre a ficção, é razoável investir na conservação do carro agora sem uso, do pai ou do avô. Mesmo sem a ameaça de um ditador tecnológico, o que agora vemos como um “chaço”, será uma cápsula do tempo apreciada no futuro.