Na minha última crónica, falei das divisões fomentadas pelas bolhas algorítmicas, que transformam as redes sociais em florestas com milhares de tribos ideológicas, onde primatas premium teimam em não trocar ideias entre si, apenas acusações. Continuemos a reflexão sobre as consequências desastrosas desta divisão artificial do mundo em caixotes do lixo de pensamento unilateral.
Se fossem sencientes, as cinzas de Aristóteles estariam a rodopiar na tumba ao ver o quão menosprezada é, hoje em dia, a sua célebre reflexão virtus in medio est. No meio deixou de estar a virtude, mas a vergonha de admitir “não sei”, o medo de assumir “encontro fragmentos de verdade em ambos os extremos”, a fraqueza de não defender com unhas e dentes um dos lados da batalha de palavras.
Defender uma opinião com nuances é um escândalo! Como ousam procurar consenso! Que fraqueza de espírito não defender cegamente que (inserir polémica do momento que ninguém se vai lembrar daqui a uns dias, mas que hoje é imperativo escolher se estamos no preto ou no branco, mas nunca no cinzento).
No espectro político, somos incentivados a ter opiniões só de esquerda ou só de direita. Como assim, tens inclinação para a esquerda social e direita económica? Escolhe! Ou és comuna, ou fascista! Não há meio-termo neste “donut social” em que todos os extremos são válidos, mas o centro é um vazio de ideias.
Há quem prospere nestas divisões invisíveis de valores. Parece que estamos todos mais entrincheirados que nunca quando, na verdade, quero acreditar que as nossas opiniões e valores estão bem mais próximos uns dos outros do que este mundo digital faz transparecer. Esta manifesta ausência de responsabilidade pelo que se escreve atrás de um teclado precisa urgentemente de ser endereçada com mais conversas cara a cara. Precisamos todos de conversar mais, trocar mais ideias, viver mais em carne e osso. Mas é tão confortável estar aqui no sofá a mandar este desconhecido para a pequena cesta no alto do mastro deste navio ideológico…