Convido-o a olhar para os seus vizinhos. Quantos têm um carro de gama alta? Quantos desses o leitor considera que o adquiriram de forma justa e ética? Serão mais do que aqueles que considera terem-no adquirido de forma duvidosa?
Hoje remeto para uma viagem a um passado, não muito antigo, e certamente mais presente na memória de todos do que gostaríamos. A crise financeira de 2008/2009. Portugal foi, sem dúvida, altamente penalizado por uma crise global. Mas se formos aos Estados Unidos, houve um fenómeno que gostaria de recuperar como Michael J. Sandel fez no livro Justiça. Fazemos o que devemos?.
Sandel recupera o momento em que George W. Bush, Presidente dos Estados Unidos da América, em 2008, pediu 700 mil milhões de dólares ao Congresso para injetar em bancos e instituições financeiras para os resgatar. O Congresso da “terra dos livres”* disponibilizou o dinheiro com relutância, mas o pior aconteceu a seguir. Começaram a circular notícias de que as instituições financeiras que receberam a ajuda pagaram, com esse dinheiro, milhões de dólares em prémios aos executivos, que também foram responsáveis pela crise que se vivia. Ora estas notícias causaram indignação tal que levou a um arraial de publicações de opinião.
Foi então que Barack Obama, que viria a ser Presidente em 2009, escreveu:
“A América é isto. Não desdenhamos da riqueza. Não ficamos ressentidos com ninguém por ter sucesso. E acreditamos, sem dúvida, que o sucesso deve ser recompensado. Mas o que transtorna as pessoas – e com toda a razão – é o facto de os executivos serem recompensados pelo fracasso, sobretudo quando essas recompensas são subsidias pelos contribuintes norte-americanos”.
Portugal é muito diferente dos Estados Unidos, e ainda bem. Mas parece-me que, neste ponto, somos só parcialmente diferentes. Porque, tal como os cidadãos dos Estados Unidos, transtorna-nos o fracasso. Mas, sobretudo, e muito diferente deles, desdenhamos da riqueza. Porque a resposta mais comum às perguntas que escrevi no início, é que o vizinho com o bom carro é o vizinho mais aldrabão.
Se o que está a acontecer no cenário político é porque estamos transtornados com um fracasso de agentes políticos nos últimos anos, ou porque desdenhamos da riqueza que os atuais agentes políticos já teriam, não sei. Mas que não me parece haver solução vencedora, não. Recentrando a conversa em Portugal, é o famoso “preso por ter cão e preso por não ter”.
*Referência a “The land of the free”, frase presente no Hino dos Estados Unidos da América e comumente usada para descrever este Estado.