O brincar é uma parte fundamental do desenvolvimento saudável de uma criança. Seja no desenvolvimento das competências motoras e de relacionamento com o outro, gestão de emoções ou capacidade de comunicação. E o que é o brincar ao faz de conta senão o motor de arranque da criatividade?
Há vários anos que nas escolas se começou a notar um fenómeno preocupante. Os recreios, a partir do 2.º ciclo, estão a ficar silenciosos. Porquê? Os miúdos andam agarrados aos telemóveis e brincam muito menos, falem menos cara a cara, mexem-se muito menos, com impactos já comprovados no desenvolvimento emocional e físico. Por um lado, crescem os hábitos de sedentarismo e obesidade infantil. Além de potenciar fenómenos de cyberbullying, diminuir a empatia pelos colegas e influenciar o desempenho académico.
Na EB2/3 da Lourosa há seis anos que os telemóveis são proibidos e, como na Coca-Cola, primeiro estranhou-se e depois entranhou-se. A comunidade educativa, alunos incluídos, reconhecessem que houve ganhos com o regresso aos recreios livres de ecrãs. A discussão tem crescido nos últimos meses. Se a Lourosa foi pioneira há neste momento várias experiências por todo o país já em curso em que o uso de telemóveis nas escolas é proibido ou desaconselhado. Há países, como França ou Países Baixos, a lançarem medidas nacionais no mesmo sentido e em Portugal o Governo já pediu um parecer sobre o assunto.
Por norma lido mal com proibições, mas seja em que moldes for, há evidências empíricas e científicas que os alunos são mais felizes nos recreios analógicos. E isso parece ser motivo mais do que suficiente para se promover medidas que possam tornar os recreios mais saudáveis.
Limitar a utilização de telemóveis nos intervalos está longe de ser uma afronta à tecnologia e um discurso dos velhos do Restelo. A tecnologia faz parte da vida atual. Para os mais jovens nem sequer é uma novidade, é a única realidade que eles conhecem. Mas na escola, o local onde os recursos tecnológicos mais fazem sentido é na sala de aula. Abrindo a porta a novas formas de ensinar, enriquecendo os currículos e dando espaço para uma educação para os media, que permita formar um espírito crítico sobre a avalanche de informação que nos bombardeia diariamente.
Envolva-se toda a comunidade educativa no desenvolvimento de uma relação mais saudável com os ecrãs. Desenhar uma boa solução vais mais além do que o simples proibir, ou limitar, a utilização de telemóveis nas escolas. A capacidade de envolver a comunidade, incluindo as famílias, é fundamental, porque a carência de educação para os media digitais é transversal a miúdos e graúdos. Transformem-se os recreios em espaços interessantes e de exploração, não apenas o amontoado de sintéticos e equipamentos mimetizados.
As nossas crianças já viveram meses de clausura forçada e em que os ecrãs foram a única forma de contacto com o mundo. Que lhes deixemos agora usufruir dos intervalos e do contacto físico com as outras crianças.