Marcos Ramos

Zé do Fósforo

2 Ago 2022

Estando em plena época de incêndios que têm assolado com particular violência o distrito de Leiria seria difícil fugir a este assunto. Muito haveria e há para dizer e fazer sobre este assunto mas escolhi partilhar uma expressão popular que ouvi várias vezes ao longo da minha vida: “Zé do Fósforo”.

Esta expressão é usada para sinalizar a presença de fogo, normalmente fogo posto por “alguém”. O povo, mesmo desconhecendo quem seria/é o real responsável pela ocorrência florestal, precisa de visualizar um responsável e rapidamente atribuiu ao “Zé” este papel, humanizando a situação.

O leitor já poderá ter participado (ou ouvido) conversas informais sobre os incêndios em grupos de amigos e/ou conversas de café. Nesta conversas os oradores são praticamente unânimes em atribuir a origem criminosa: “É tudo fogo posto!” ou “O fogo é um negócio!” são expressões que se ouvem com relativa facilidade, direcionando a responsabilidade para o “Zé”.

Pegando nos dados publicados pelo ICNF (Relatório Provisório de Incêndios Rurais de novembro de 2021), a principal causa de incêndios rurais são o uso negligente do fogo (vulgo queimadas) com quase metade (47%) dos fogos e o “incendiarismo”, ou mais comummente chamado “fogo posto”, com 23%.

O detalhe dos números mostra então que “apenas” 23% dos incêndios em Portugal têm origem em fogo posto mas provavelmente estamos de acordo de que a intervenção humana é responsável por, pelo menos, 70% dos incêndios florestais, ou seja, a culpa é do “Zé”.

A perceção popular destes fenómenos é construída e influenciada pelo circo mediático montado nas televisões nacionais nesta altura. As equipas de reportagem visitam os concelhos mais rurais do país (pena que só nestas alturas) e transmitem imagens impressionantes que nos mostram a dura realidade: os fogos são praticamente impossíveis de combater, sobretudo os de maior dimensão, pelo que a organização e a gestão económica do território e da floresta, potenciando a sua criação de valor são essenciais para a prevenção.

As imagens têm também demonstrado ao longo dos anos uma coisa: não há uma estratégia política estruturada e sustentada de gestão da floresta.

O próprio primeiro-ministro, António Costa, declarou durante a passada semana que existe «um problema estrutural». Ora recorrendo ao dicionário, algo estrutural é “relativo à organização ou ao fundamento de algo”. Podemos depreender então das declarações de António Costa que a organização do território, do sistema de gestão florestal e das entidades envolvidas estará deficitária. E este problema não permite uma gestão económica sustentável da floresta. Território acidentado com muitos pequenos proprietários, heranças indivisas e pouco racional económico são algumas das causas já amplamente debatidas que acabam por afastar a exploração florestal e, sem negócio, dificilmente a floresta é gerível per si.

Felizmente temos um primeiro-ministro e um Governo, eleito em janeiro, que toma agora conhecimento destes fenómenos pela primeira vez e tudo fará para o resolver de vez, eliminando o problema estrutural criado pelos governos anteriores.

Mal seria se tivéssemos a liderar o país um partido que tivesse governado 24 dos últimos 27 anos. Mal seria se tivéssemos um primeiro-ministro que estivesse no poder há sete anos. Mal seria se neste tempo tivéssemos tido o maior e mais mortífero acidente florestal em Portugal. Mal seria… porque o “Zé do Fósforo” teria outro nome.