A parábola da carroça de melões e os bois que a puxam

9 Julho 2024

Marco Pedrosa

De enxada na mão, reparo no carro de bois que passa por ali perto. Na carroça, vejo flores aos molhos. Que cenário deslumbrante. Os bois, serenos e altivos, realçam a minha fraca estrutura: comparar o meu corpo, velho e cansado com aquelas bestas imponentes seria, no mínimo, ridículo. Atrás vem o dono, cantarolando e assobiando. Acena vivamente para as árvores, para as galinhas, para os porcos e a tudo o que mais se cruza com ele. Perante esta magnificência, não resisto a aproximar-me para tentar absorver o aroma perfumado que certamente emanaria daquele jardim móvel. Mas quando chego lá, o cheiro é pérfido… por baixo das bonitas flores, encontravam-se dezenas de melões que, pela cor, cheiro e estrutura, estavam podres. Aproximei-me do dono, que perdera o assobio mas mantivera o sorriso, e perguntei:

– Ó amigo, desculpe a pergunta, mas porque transporta melões podres por baixo das flores?

– Melões podres – retorquiu ele, de sobrancelhas franzidas – não são melões podres. São melões indefinidos.

Ao que eu respondo:

– Indefinidos? Como assim? Cheiram a podre, têm aspeto de estarem podres, e estão a desfazer-se.

Irritado, mas com o mesmo irredutível sorriso, retribui:

– Não pode tirar essa conclusão. É preciso esperar para os abrir, comê-los e, se fizerem mal aí sim, diremos com convicção que estariam eventualmente estragados.

Confuso, continuei a conversa:

– Então e vai levar os melões e as flores onde?

– Olhe, as flores são para uma cidade lá no estrangeiro, que tem o nome de uma couve. É preciso mostrar que aqui no nosso país há flores muito bonitas Os melões são mesmo para dar aos meus empregados. Sou patrão justo e preocupado com o bem estar deles, como vê.

– Então mas os seus empregados vão comer isto? E já agora, eles não estão no campo das escolas, que fica no sentido oposto?

Ele disse:

– Sim, é mesmo lá que estão que ainda agora os vi. Mas sabe como é que é, os bois é que mandam no caminho.

Espantado, pergunto:

– Mas o senhor não tem poder sobre eles? Não pode dissolver o conjunto de bois?

– Poder posso, mas…

– Então, mas se forem por aí vai demorar mais tempo, vai gastar mais energia e os seus empregados vão ficar com mais fome. Às tantas ainda caem para o lado de fraqueza.

– Nada disso amigo. Eu meti os capatazes a proibi-los de cair para a esquerda, para a direita, para a frente ou para trás. Se eles arranjarem outra forma de cair, que caiam.

– Mas os bois podem mesmo fazer o que querem?

Com toda a tranquilidade, ele responde:

– Sabe como é: quando ouvem os empregados a gritar, os bois até levantam as orelhas e olham para eles mas, sendo os bois que são, fazem só o que lhes apetece.

Retirei-me e vi os bois a continuarem pelo mesmo caminho, sem quererem saber se era ou não o melhor. Sentem-se no direito de levar a carroça por onde querem, mesmo que seja um mau caminho, e que a carroça não seja deles. Na verdade, parvos são os que acham que um boi tem capacidade intelectual suficiente para tomar decisões importantes sozinho.

Atenção: Isto é uma parábola. Qualquer semelhança entre esta história fictícia, o poder político e o estado da educação em Portugal é pura coincidência.

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