Muita tinta já correu por conta dos professores. Muitas manifestações, muitas greves, muita revolta e insatisfação. Muitas verdades e muitas mentiras foram noticiadas, como é normal. Muita informação e, convenientemente, muita desinformação também. Creio que não haja, hoje, um português que não saiba que queremos a recuperação do tempo de serviço roubado, o fim das cotas nos escalões que as têm, que queremos um aumento nos salários e que queremos respeito. Sabem também que queremos deixar de andar com a casa às costas. Depois vem a desinformação: a tutela, com toda a confiança que o discurso de um político profissional consegue transmitir em qualquer mentira, tentam convencer que vão acabar com isso, vinculando mais de 10 mil professores. Coisa boa esta, parece. Contudo, como se sabe, o diabo está nos pormenores.
Passo a explicar como é que esta medida apregoada como positiva me levará a abandonar o ensino:
– Sou professor há 19 anos. Nessa altura, o único local em que consegui emprego foi a 250 quilómetros de casa. E assim abandonei a minha terra, onde estão os amigos de sempre, a família, as atividades, a vida. Não me queixei.
– A minha esposa, que padece da mesma doença (professora), veio também, seis meses após o nascimento da nossa filha mais velha. Entre horários de seis horas, oito e, por vezes, com muita sorte, de 14 horas, lá foi arranjando colocação num raio de 50 quilómetros.
– Este ano, graças à tal vinculação dinâmica (para que o Governo cumpra a mesma obrigação que impõe aos privados), eu e a minha esposa estamos em condições de vincular. Seria um passo importantíssimo para, aos 46 anos, ter alguma estabilidade laboral.
– De acordo com as regras desta vinculação, no próximo ano letivo (2023-2024) eu ficarei a dar aulas num raio de cerca de 80 quilómetros de casa, e ela num raio de 30 quilómetros, tendo em conta os nossos locais de trabalho atuais. Menos mal, não é?
– As mesmas regras obrigam a que, em 2024, ambos tenhamos de concorrer ao país todo. Sim, da ponta norte à ponta sul, entre Espanha e o atlântico. Um ano de sacrifício?
– Para finalizar em beleza, quando vincularmos nesse ano (ano letivo 2024-2025), onde quer que seja (estou a apontar para Lisboa e Algarve), temos de ficar lá! Um ano? Dois anos? NÃO: SEMPRE! Sim, isso mesmo, sempre.
– Traduzindo para miúdos: eu vinculo, por exemplo, em Lisboa e ela no Algarve. Aí ficaremos definitivamente.
Pergunto:
– Como pago três casas (a minha, em Leiria, uma em Lisboa e uma no Algarve)?
– Quando vejo a minha mulher? Divórcio?…
– E as minhas filhas (de 15 e 13 anos), o que lhes faço? Passam uma semana em Lisboa e outra no Algarve, alternadamente? Mudo-as de escola? Para onde? Como é que podem obrigar as pessoas a isto? Em que mente doentia nasce uma ideia destas? É sério? É honesto? É justo? É são?
Querem obrigar-me a escolher entre a minha profissão e a minha família!
Eu respondo: é uma não questão.
Se alguém, na zona de Leiria, quiser dar emprego a um tipo de 46 anos, que foi professor durante 20, por favor apresente-se.