Beatriz Simões

Isto não é sobre o Chega

28 Mar 2024

Muito se analisam os resultados eleitorais do passado dia 10. Da esquerda à direita, do comentador mais previsível ao mais inusitado. Certo é que o crescimento muito pronunciado do número de mandatos do Chega é um dos grandes focos de comentário. Atraiu muito voto jovem, muito dele residente anteriormente no abstencionismo. Cresceu proeminentemente em regiões mais desfavorecidas economicamente. Cresceu em regiões anteriormente muito demarcadas pelo voto à esquerda. Estas são algumas das análises apontadas.

Seguem-se, normalmente, de um rol de ilações que pecam, normalmente, pelo desvirtuar do ónus. Pois que para uns é um voto de protesto, para outros um sintoma da iliteracia dos jovens, mais focados nas redes sociais. Uns suspiram que não existem um milhão de português xenófobos e machistas, assim o voto tem de ser justificado de outra maneira. Outros, presunçosamente, acreditam encontrarem-se numa qualquer plataforma moralmente acima daquela em que se encontram este partido e os seus eleitores.

Como já tradicional no cenário político, a apuração de responsabilidades e a análise do comportamento humano ficam aquém. Este resultado não é sobre o Chega e as suas voláteis propostas. Não é sobre jovens eventualmente desinformados, população socioeconomicamente débil, eleitores xenófobos ou machistas. É sobre responsabilidade sobre a corrosão do sistema democrático. O Chega não é a corrosão. Ou pelo menos o seu início. É o sintoma de um sistema corroído.

E são os partidos de Centro, os tradicionais da democracia, os moderados, que se cristalizaram e colapsaram. Que passaram a não ser uma solução, para serem os culpados, indiscriminadamente. Urge refletir. Para quem como moderado se identifique não fique órfão num sistema extremado.

A democracia, no esplendor da sua beleza, não é um regime de alternância infinita entre os habituais jogadores. É um magnífico jogo de equilibrar todos os agentes, permitindo o respeito pelas regras do jogo. Não analiso se o Chega as cumpre, ou não. Mas para ter a expressão que atualmente tem, as regras já teriam sido desrespeitadas anteriormente. Não por um exótico partido extremado, mas pelo “os de sempre”. E foi aí que a nossa democracia perdeu um bocadinho da sua beleza.