Desde muito cedo que manifestei um gosto especial pela palavra nos seus vários contextos e canais de divulgação. Despertou-me a curiosidade a Senhora desta Capela na Ribeira de Cima; Nossa Senhora do Desterro. Porquê Desterro? Porquê na Ribeira? Mais interessada fiquei quando me apercebi da lápide colocada na entrada da capela: 1688. O que se passava no Mundo e em especial em Portugal nesta data?
Não sendo especialista em História, socorri-me do que está disponível ao alcance de um clique. Degredo ou desterro é uma condenação ao exílio, praticada no Império Português, sobretudo entre os séculos XV e XVIII, mas que durou até meados do século XX. Os degredados podiam ter origem criminosa, política ou religiosa. Estima-se que cerca de cem prisioneiros fossem enviados para o degredo anualmente, num total de 42 500 exilados entre 1550-1720 com um aumento significativo depois de 1720. Muitas mulheres acusadas de feitiçaria foram enviadas para terras distantes: Brasil, Angola e Índia, mas não eram condenadas a remar nas galés (voilà!). Desta forma, os degredados condenados com comutação de pena (uma invenção portuguesa) manobravam os remos dos navios e auxiliavam em tarefas consideradas demasiado perigosas ou onerosas para tripulantes comuns. Em simultâneo, as autoridades portuguesas livravam-se dos “maus” elementos. Estes desgraçados desempenharam um papel importante na era dos Descobrimentos e tiveram uma grande importância no estabelecimento de colónias portuguesas na Ásia, África e América do Sul. Mas, neste contexto, como aparece uma Senhora do Desterro em Porto de Mós, em especial na Ribeira de Cima?
Segundo a tradição oral, era ali, naquele sítio onde hoje se ergue a Capela, que os condenados ao degredo se reuniam antes de partir para um Mundo desconhecido, sem qualquer certeza de regresso.
Imagino as lágrimas, a dor da separação, o adeus sem retorno. Alguns escaparam. Não sei quem regressou, nem quem lançou a primeira pedra, mas alguém foi capaz de vencer os obstáculos e agradecer o regresso. Constam ainda gravados na pedra outros agradecimentos: “Este corete foi oferecido por Joaquim Duarte Moleano e sua esposa pela vida de seu filho que andou na Guerra do Vietname em 8/8/1969”. Aqui é um ponto de partidas e de regressos, onde as palavras da oração Salvé Rainha fazem mais sentido: “Salve Rainha, mãe de misericórdia, vida, doçura, esperança nossa, salve. A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva (…)”. Todos aqueles que foram retirados do paraíso, ou seja, (numa tradução livre) da sua Terra Natal. Acontece ainda hoje, noutras áreas geográficas por razões económicas, bélicas, raciais ou climáticas.
Apesar da dor dos desterrados, foi cumprida uma das suas missões: povoar as colónias portuguesas, em especial o Brasil.
Não nos saímos nada mal. O Brasil tem hoje aproximadamente 215,3 milhões de almas. Não fomos só nós, mas demos uma grande ajuda.