Toda a gente tem direito ao erro, o dever de errar e uma dívida para com ele. Sabemos que todos nós, sem exceção, somos o fruto de um número incomensurável de erros genéticos: desde os seres vivos primordiais, constituídos apenas por aquilo que nem uma célula era, até aos seres super evoluídos, cujas células são mais complexas, cada uma delas, que o mais complexo computador ou algoritmo de Inteligência Artificial. A complexidade de uma só célula é de tal ordem de grandeza que é muito difícil quantificar (quanto mais de um organismo completo). E tudo isto a partir de erros no processo de cópia do material genético. Somos também sobreviventes graças ao somatório de erros sociais, como o daquele hominídeo que tentou fazer uma festinha a um tigre. Toda a tribo aprendeu, graças ao seu erro, que não foi uma boa ideia.
Evolução significa exatamente isto: erros que correram bem. Está a imaginar a quantidade de alterações que sofreu um organismo, invisível à vista desarmada, desde a altura em que surgiu (4000 milhões de anos, mais dia menos dia) até chegar ao dia de hoje sob a forma de um elefante? Pois, nem eu. Mas cada uma delas foram resultado de um erro.
Não fiquemos a pensar, contudo, que os erros são só coisas boas (??? não soa bem, pois não?). Por cada erro que correu bem, milhares de milhões correram mal. Milhares de milhões de biliões (e acrescente-se mais alguns zeros) de erros genéticos correram mal ou mesmo muito mal.
Se em relação aos erros genéticos nada podemos fazer para controlar as suas consequências, já em relação aos erros que cometemos no nosso dia a dia, se calhar, até podemos. Só depois de muito “bate-cú” é que uma criança aprende a aguentar-se de pé e a andar; só depois de meter a colher da papa no nariz umas centenas de vezes é que o bebé aprende a chegar com a colher à boca; depois de chegar a mão junto do lume mais perto do que devia, a criança não vai voltar a tentar tocar-lhe; quando se lembrar daquela vez que caiu por correr em cima do piso molhado, vai pensar duas vezes antes de o repetir.
O erro tem exatamente esse efeito: mostra-nos o que é errado. E isso, a meu ver, não é de todo mau. Cometer o erro pode ser como desenhar um mapa que nos orienta para o caminho certo, uma clarificação de dúvidas, uma ajuda para se tomar decisões baseadas em conhecimento adquirido por experiência própria. Errar torna-nos mais humildes e ao mesmo tempo mais seguros se o soubermos aproveitar: aprender com os erros como se aprende com um manual escolar; encarar o erro como uma aprendizagem e não como um falhanço é o fundamental para a construção de um ser humano mais ciente, equilibrado, seguro e empático.
Assim pergunto-me porque é que nós, os “adultos”, nos esforçamos tanto para camuflar os erros das nossas crianças? Pais que, na compreensível ânsia de valorizar os seus filhos, sobrecarregam-nos com um excesso de “vitórias”; escolas, que na ânsia de reconhecimento fútil, através de rankings sem sentido e uns sorrisos nas redes sociais, abraçando uma política de mercantilismo, substituem os erros dos seus alunos por falsos e facilitados sucessos. Há, efetivamente, um ponto de equilíbrio entre uma boa autoestima e uma consciência do erro. E aqui é que devem entrar os adultos: para ajudar as pessoas em desenvolvimento (normalmente crianças, mas não só): vigiar em controlar o efeito dos erros, para que não se transformem numa fatalidade, mas não evitar que eles aconteçam.
O erro é necessário à melhoria. Deixemos errar, em especial as crianças, pelo seu sucesso e crescimento saudável e pela sua evolução enquanto ser consciente.
Desculpem se estou errado no meu raciocínio.