O Portomosense assinalou há poucas semanas a sua milésima edição. O que para uma publicação de amplitude nacional seria um facto merecedor de registo, é neste caso um feito de extraordinária dimensão. Escrevo estas linhas num tempo em que a imprensa livre vive ameaçada. A digitalização da informação banalizou o acesso a conteúdos aparentemente noticiosos e aparentemente gratuitos. Na palma da mão recebemos as últimas novidades e acontecimentos e, juntamente com elas, a ilusão de que estamos bem informados. Quando a intenção de quem produz a notícia, é simplesmente angariar muitas visualizações, a verificação dos factos descritos perde a importância. Para isso, usam-se a títulos contundentes, mostram-se fotos chocantes, exploram-se as tragédias e, se isso for necessário, amolga-se a verdade. Vale tudo para conseguir audiência. Pelo meio das notícias, segue publicidade em barda e, sem dar por isso, o leitor deixou de ser o freguês e passou a ser o produto. A imprensa livre precisa de leitores dispostos a pagar por informação relevante e credível, e essa é a única forma de se assegurar a independência dos jornalistas. Só assim poderá atingir o seu fim último, bem lembrado pelo Director Luís Vieira Cruz na milésima edição, e que é o de ser o maior inimigo das ditaduras.
A imprensa local vive sob essas mesmas ameaças, mas tem também a responsabilidade de fazer das suas páginas um registo do que mais relevante acontece na nossa terra e que, a partir delas, ficará disponível para memória futura.
É encantador folhear jornais locais publicados há cinquenta ou cem anos atrás. Graças aos arquivos digitais acessíveis em linha, é fácil fazê-lo. Com os pés assentes no Outono de 2023, e conhecedores das datas e do processo que levou ao fim do regime anterior, é interessante lermos o que sobre ele diziam os seus contemporâneos.
Quando, daqui a cem ou mais anos, os que cá estiverem, folhearem a 1006ª edição de O Portomosense, o que pensarão de nós? Acredito que para eles seremos apenas gente que viveu nesse sítio distante chamado passado, e nas suas considerações seremos vizinhos de personagens históricas muito anteriores a nós, e de outras que ainda não nasceram. Facilmente confundirão António Costa com Afonso Costa e Marcelo Caetano com Marcelo Rebelo de Sousa, não tivessem sido todos eles gente do tempo da República.
É por isso que o que mais aprecio ler nas páginas deste nosso quinzenário, são as entrevistas feitas aos nossos mais velhos. Nem todos se exprimem com a mesma clareza e desenvoltura, mas cada um à sua maneira, tem algo para nos dizer, tem algo que deve ficar registado para o futuro. Usar o jornal para dar voz às nossas gentes, associar um nome à imagem de um rosto, a um discurso e a uma memória, é sublinhar aquilo que somos e fintar o esquecimento. Quando isso acontece, cumpre-se a natureza do jornal local.
Por isso, e fingindo que o jornal só foi fundado umas semanas mais tarde, não posso deixar de aproveitar esta milésima edição, para dar os parabéns ao nosso quinzenário O Portomosense. Todos os que o imaginaram e lhe dão forma, merecem o nosso apreço e reconhecimento. E que venham mais mil edições!